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sexta-feira, 21 de março de 2014

Ação Civil Pública e efeitos "erga omnes"

Art. 16 da Lei da Ação Civil Pública e efeitos "erga omnes" 
 - Publicado em . Elaborado em .

I – Apresentação
Foi com grande satisfação que recebi o convite de meu amigo Érico de Pina Cabral para participar deste I Congresso Brasileiro de Processo Civil Coletivo, realizado pela Associação Goiana do Ministério Público – AGMP, entidade de que tive a honra de fazer parte durante a época em que fui promotor de Justiça no Estado de Goiás. Aproveito então a oportunidade tanto para agradecer o fato de ter sido lembrado para falar neste evento quanto para elogiar a brilhante iniciativa de promover um congresso desta magnitude em minha cidade natal.

O tema que pretendo abordar é, sem dúvida, dos mais importantes a serem tratados neste congresso, exatamente porque diz respeito à própria eficácia das decisões judiciais proferidas no âmbito do processo civil coletivo. Daí, não posso deixar de reconhecer a enorme responsabilidade em sustentar uma nova perspectiva para interpretar o polêmico artigo 16 da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública – LACP), na redação que lhe deu a Lei 9.494/97. De fato, é grande o desafio de tentar acrescentar algo de novidade além daquilo tudo que ilustres processualistas já disseram a respeito do assunto, principalmente porque me dedico mais à área do direito constitucional. Mas por isso mesmo, por possuir uma formação ligada principalmente ao direito constitucional, é que talvez possa atingir esse ambicioso objetivo.
O plano da exposição divide-se em duas etapas. Primeiro, buscarei refutar as teses contrárias à aplicabilidade da modificação legislativa feita no mencionado artigo 16 da LACP. Na segunda etapa, procurarei fixar a exata dimensão do que parece ser o efeito erga omnes, para então concluir minha proposta de interpretação do dispositivo comentado.
A norma que se vai comentar é proveniente da alteração feita na LACP pela Medida Provisória 1.570, de 1997, convertida na Lei 9.494 do mesmo ano. Pela regra alterada, a sentença proferida em ação civil pública fazia coisa julgada erga omnes, exceto se o pedido fosse rejeitado por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderia intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. Com a inovação, pretendeu-se restringir a coisa julgada erga omnes aos limites da competência territorial do órgão prolator da decisão, mantida, no mais, praticamente idêntica a redação original do art. 16 da LACP.

II – Eficácia e validade do novo art. 16 da LACP

Corte rápidoparaa primeiraetapa da exposição, não se pode negar o retrocesso advindo da modificação legislativa. Contudo, tampouco se pode esquecer, esse retrocesso ocorreu de maneira inteiramente consciente. A intenção tanto da MP 1.570/97 quanto da lei em que se converteu, sem dúvida, foi atenuar a eficácia prática da resolução judicial dos conflitos de massa julgados em sede ação civil pública. Bem por isso, são compreensíveis as tentativas da doutrina processual de "desconstruir" a nova proposição legislativa. Todavia, a tarefa de definir os limites da coisa julgada ainda pertence ao legislador. [01] Ademais, argumentos baseados em meras opiniões doutrinárias, por mais respeitáveis que sejam do prisma científico, não são parâmetro suficiente para invalidar leis editadas com o objetivo de alterar os contornos da coisa julgada ou dos institutos jurídicos a ela correlatos.
Pois bem. A doutrina contrária à aplicabilidadeda modificação legislativa trabalha em duasvertentes. A primeiradelassustenta a ineficácia da inovação do texto do art. 16 da LACP. A outra vertente tem o mesmo objetivo, mas se baseia na invalidade constitucional da alteração promovida pela MP 1.570/97, convertida na Lei 9.494/97.
A tese da ineficácia possui fundamento nas seguintes premissas. [02]Como olegisladornão alterouasistemática do Código de Defesa do Consumidor (CDC), de nadaadiantou modificar somente o artigo 16 da LACP. Mantido sem limites territoriais o regime do CDC acerca da coisa julgada erga omnes, a inovação é inócua, em razão da remissão ao próprio CDC contidano artigo 21 da LACP.

E essa tese conta ainda com o reforço da posição defendida pelo Professor Nelson Nery Júnior, neste mesmo congresso, segundo a qual o art. 16 da LACP já fora revogado pela aplicação do CDC determinada pela alteração feita em 1990 ao art. 21 da LACP. Daí, como o CDC regula inteiramente a matéria relativa aos efeitos das sentenças nos processo coletivos, acabou por revogar a regra original do art. 16 da LACP. Por conseguinte, a superveniência da MP 1.570 e da Lei 9.494/97 é irrelevante, pois o legislador não poderia alterar o que não mais existia no mundo jurídico.
Contudo, esses argumentosnão sãoconvincentes. Basta notar que, naverdade, a aplicação à LACP dasistemática do CDC tem natureza subsidiária. Ao prescrever a remissão contida no art. 21 da LACP, o própriolegislador ressalva que o Título III do CDC só se aplica "no que for cabível". Dessarte, não se pode pretender a ineficácia da legislação principal e posterior, com base na aplicação da legislação subsidiária e anterior.
Em outras palavras, a legislação geral (LACP) não se considera revogada pela remissão que se faz à legislação especial (CDC), já que a aplicação desta só se opera subsidiariamente. Descabe falar em revogação, pois o caso não é aquele previsto no § 1º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, [03] senão o do § 2º do mesmo artigo. [04] Em matéria de efeitos das sentenças proferidas em processos coletivos, portanto, as normas da LACP e as do CDC convivem harmonicamente, conquanto recíproca e subsidiariamente aplicáveis, porém vigoram de maneira independente, porque a aplicação subsidiária das regras de uma (lei geral) e outra (lei especial) só ocorre naquilo que não conflitarem entre si.
Ademais, a prevalecer a idéia da revogação da versão original do art. 16, por decorrência da remissão introduzida ao art. 21, nada impede que o legislador "reintroduza" novo programa normativo ao artigo supostamente revogado.
Enfim, o que se pode corretamente pensar é que, para o microssistema em que se aplica o CDC de maneira principal, e não subsidiária, a modificação do art. 16 da LACP não surte efeitos jurídicos, porquanto a alteração da legislação geral não repercute no âmbito da legislação especial que disponha em sentido contrário.
De outro lado, defende-se que a modificação legislativa padece de inconstitucionalidade tanto por defeito de forma quanto de conteúdo. Certo, poder-se-ia objetar essa assertiva com a simples referência ao acórdão da ADInMC 1.576/DF, em que o Plenário do STF entendeu constitucional a nova redação do art. 16 da LACP. [05] Mas isso seria esquecer que o debate científico não se esgota com a posição do STF acerca do tema, especialmente porque se tratou de julgamento liminar e a ação foi posteriormente extinta por falta de aditamento ao pedido. Daí, parece necessário adentrar ao exame dos argumentos pela inconstitucionalidade da inovação.
Nesse rumo, a inconstitucionalidade formal estaria na inobservância dos requisitos de urgência e relevâncianecessários para validar a edição da MP 1.570/97. Não haveria razões para alterar a sistemática relativa aos efeitos das sentenças da ação civil pública, já que em vigor há pelo menos desde a suposta revogação da redação original do art. 16, por força da mencionada remissão que se implantou, em 1990, no art. 21 da LACP. [06]
Contudo, esse argumento é, no mínimo, incompleto do ponto de vista dogmático. Isso porque passa totalmente à margem da séria discussão constitucional acerca da possibilidade ou não de os vícios formais da medida provisória serem convalidados ante a respectiva conversão em lei pelo Congresso Nacional. Em sentido positivo, aliás, há até precedente do STF. [07] Contudo, embora já tenha me manifestado contrariamente à convalidação nessas hipóteses [08] e a despeito do que parece ser uma reviravolta do STF quanto ao tema, [09] a tese da inconstitucionalidade formal tampouco convence.
No direito constitucional, com base no princípio da independência das funções estatais, vigora quase um consenso em torno da inviabilidade da revisão judicial dos pressupostos constitucionais de urgência e relevância das medidas provisórias, a menos que se utilizem parâmetros objetivos para controlá-los. Medidas provisórias são atos políticos cujo mérito dos respectivos requisitos constitucionais situa-se, com exclusividade, na esfera da discricionária avaliação deferida pela Constituição ao Executivo, sob a posterior fiscalização do Legislativo. Logo, não podem ser anuladas pelo Judiciário, por falta de urgência ou relevância, sem que se aponte violação a parâmetros minimamente objetivos a legitimar o controle judicial.
Dessarte, se é que se pode afastar o caráter subjetivo acerca do que se reputa "longo" período de vigência da legislação modificada, essa idéia não serve para invalidar a modificação normativa. Na verdade, a situação de urgência e relevância pode advir, exatamente, da inércia do Legislativo em revisar a legislação "antiga" ou mesmo da superveniência de circunstâncias novas, não consideradas anteriormente. Assim, noves fora juízos subjetivos de valor, o Presidente da República Fernando Henrique Cardoso tinha lá suas razões, confessáveis ou não, para querer modificar o art. 16 da LACP, especialmente para tentar frear a chamada "guerra de liminares" ao tempo dos leilões de privatização, bem como para restringir os prejuízos do governo com as ações coletivas movidas em favor de servidores públicos federais. Aliás, a vingar o raciocínio fundado no decurso do prazo de vigência lei alterada, de quase nada valeria a medida provisória: se uma lei "velha" não pudesse ser alterada por medida provisória, uma lei "nova", tampouco, pois não haveria urgência para mudar o que legislador acabasse de produzir.
Já os argumentos pela inconstitucionalidade material da modificação legislativa radicam na suposta redução indevida de acesso às vias judiciais. Por questões metodológicas, contudo, essa tese será analisada somente ao final da exposição, já que o assunto depende de como se deve interpretar o efeito erga omnes, tema da parte seguinte da exposição.

III – Real dimensão dos efeitos erga omnes

Pelo menos na doutrina específica que consultei, [10]parece vigorar noção equivocada acerca daverdadeira dimensão dos efeitos erga omnes referentes a alguns tiposdedecisões judiciais. Porém, acorretainterpretação do mencionadoartigo16 não podeserfeita semque esse ponto sejasatisfatoriamente esclarecido.
Em razão dessa incompreensãodoutrinária, é freqüente dizer queo legislador, aoestabelecer limites territoriais à eficácia dacoisa julgada erga omnes, confundiu limites subjetivosda coisa julgadacom temas relacionados à jurisdição e competência dos órgãosjudiciais. Bem porisso, a doutrinaaponta como patológicaa aplicação damodificação legislativa emexemplos deste tipo: (a) numaação civil públicaque pretendesse interromperapoluição deum rio provocada por certa indústria ou garimpo clandestino, alimitação territorial implicaria quea procedência dopedidosomente tivesse eficácianotrecho do rioquecruzasse a áreadajurisdição doórgão prolator. Com isso, a indústria ou o garimpo poluentes poderiam driblar a decisão, bastando que locomovessem suas atividades para local diverso, ainda que do mesmo curso d’água; (b) numa ação civil públicaa pleitear a condenação de empresaaérea a instalarpoltronas especiais para deficientes físicos em seus aviões, a decisão atenderia às finalidades pretendidas com relação às aeronavesque cruzassem oterritório inserido no âmbito da jurisdição do juízorespectivo.
E inclusive no campodo direito constitucional, semelhante incompreensãotem ocorrido. Em sede de controle abstrato de constitucionalidade, fala-se, porexemplo, que oSTF não pode rever os pronunciamentos que emite porque também estariaabrangido pelo efeitoerga omnes que tipificam as decisões proferidas nesse tipo especial de processo. [11]
Nada obstante, o efeitoerga omnes não éo responsável pela vinculação à autoridade dacoisajulgada. Diferentemente do que se supõe, não é por causa do efeito erga omnes que o órgão julgador e demais sujeitos processuais estão impedidos de renovar a discussão das questões já apreciadas, mas sim em razão do sistema de preclusões processuais, cujo maior exemplo radica na coisa julgada. Tanto é que mesmo provimentos interlocutórios podem contar com efeitoserga omnes, sem que o juízo esteja impedido de revogá-los posteriormente, tal qual ocorre com as liminares concedidas nas ações diretas de inconstitucionalidade.
O que justifica a concessão de efeitos gerais (erga omnes) a determinadas decisões judiciais é a necessidade pragmática de conciliar a atividade jurisdicional, que não se pode desenvolver mediante processos com elevado número de participantes, ante a dimensão subjetiva das pessoas que devam ser atingidas pelos respectivos julgamentos. No caso do controle abstrato de constitucionalidade, por exemplo, se os processos têm por escopo principal depurar o ordenamento jurídico e garantir a supremacia da Constituição, as decisões haverão de possuir efeitos erga omnes, para permitir que todos os destinatários da norma questionada fiquem automaticamente compreendidos entre os que se sujeitam aos efeitos substanciais do ato decisório. [12] É só por meio desse efeito que a atividade de controle abstrato de constitucionalidade se pode comparar, na dicção kelseniana, à de um "legislador negativo". [13]
Dessarte, não existe um tipo erga omnes de coisa julgada, pois o efeito erga omnes não diz com a qualidade desta. É simples artifício jurídico mediante o qual se obtém a extensão dos limites subjetivosque naturalmentedecorrem da coisa julgada e de outras hipóteses depreclusão. Equivale adizer, a eficácia erga omnes constitui um plusque se acresce aos efeitos normais da coisa julgada. Daí, não atinge indefinidamente a "todos", senão a todos aqueles a que, embora excluídos dos limites subjetivos originais da coisa julgada, se devem estender os limites objetivos da decisão.
Portanto, com relação aos sujeitos processuais, órgão judicial incluso, a imutabilidade decorre da simples preclusão ou da própria coisa julgada, e não do efeito erga omnes em si. A definitividade das decisões nada tem a ver com o fato de se lhes atribuir ou não efeito erga omnes, mas com o regime de preclusões a que se submetem. Enfim, a autoridade que torna a questão decidida indiscutível para os sujeitos processuais provém mesmo é da coisa julgada, cujos limites subjetivos já os abrangem naturalmente, sem que seja preciso recorrer ao efeito erga omnes.
De conseguinte, os efeitos erga omnes não podem ser confundidos com a coisa julgada a que se agregam, até porque não são sequer atributo exclusivo das decisões judiciais. Basta notar que a eficácia extensiva obtida pelos efeitos erga omnes pode ser utilizada em outros setores, como ocorre nas resoluções do Senado Federal previstas no inciso X do art. 50 da CF/88. [14]
Portanto, percebe-se que a modificação legislativa não causa confusão entre coisa julgada e competência. [15] É a doutrina que está a confundir a concessão de efeito erga omnes às decisões das ações civis públicas com algum tipo especial de coisa julgada.
Então, já se pode concluir, a imposição de limites territoriais havida no art. 16 da LACP não prejudica a obrigatoriedade jurídica da decisão judicial em relação aos participantes da relação processual originária, onde quer que estes se encontrem. É que tais sujeitos e intervenientes estão vinculados pela própria força dos limites subjetivos e objetivos que decorrem da coisa julgada, independentemente da incidência ou não do efeito erga omnes. [16]
Daí, voltando aos exemplos acima, se o pedido das ações civis públicas mencionadas for julgado procedente, os garimpeiros, a indústria poluidora ou a empresa aérea estarão obrigados a cumprir a decisão em qualquer lugar que exerçam
suas atividades, exatamente porque se vinculam à decisão em razão da própria coisa julgada, sem necessidade de abrangê-los pelos efeitos erga omnes.
Prosseguindo, em matéria de ação civil pública ajuizada para proteger interesses difusos ou coletivos, a mudança legislativa é irrelevante. Nessas ações, como se trata de interesses que não comportam defesa individual, pois são essencialmente metaindividuais, a legitimidade ativa é do tipo ordinária, como ensina a doutrina. [17] Logo, eventual limitação territorial a restringir os efeitos erga omnes não impede a plena executoriedade da decisão, pois tanto o autor quanto o réu estão sujeitos à autoridade da coisa julgada, não importa onde estiverem.
Por conseguinte, a restrição territorial do efeito erga omnes só prejudica a extensão da eficácia subjetiva da coisa julgada em face daqueles que até então eram livremente substituídos pelas entidades legitimadas à propositura de ações civis públicas, isto é, os titulares de interesses individuais homogêneos não abrangidos pelos "limites da competência territorial do órgão prolator" da decisão. Antes, qualquer pessoa que fosse titular de interesse individual homogêneo e que estivesse incluída na qualidade de substituída processual, independentemente do local em que residisse, poderia beneficiar-se do título judicial, sem necessidade de outra ação de conhecimento. Agora, contudo, está em vigor restrição à substituição processual dos titulares de interesses individuais homogêneos. Somente estão aptas a se beneficiar com os efeitos do julgado, ou seja, só se qualificam como substituídos processuais, as pessoas que estejam na esfera da competência do órgão judicial.
E isso até explica por que se editou outra norma igualmente criticada pela doutrina em geral. Na tentativa de elucidar essa nova restrição à substituição processual, foi preciso esclarecer quem são os substituídos processuais que podem diretamente beneficiar-se da decisão judicial nas ações coletivas. Daí se encontrar em vigor a Medida Provisória 2.180-35/2001, que incluiu o artigo 2º-A à Lei 9.494/97, de modo a esclarecer que: "a sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator."
Por outro lado, a despeito dessas restrições expressas à substituição processual em sede de ação civil pública, manteve-se aberta a via judicial para que cada um dos titulares de interesses individuais homogêneos possam ajuizar as ações que entenderem pertinentes. E mais: qualquer dessas pessoas pode ser substituída por entidades a patrocinar ações civis públicas no foro em que tenha domicílio. Logo, retomando os argumentos contrários à tese da invalidade da inovação legislativa, descabe falar em inconstitucionalidade material. Como os interesses individuais homogêneos não passam de interesses materiais individualizados que podem ser coletivamente defendidos numa mesma sede processual, a simples restrição a que seus titulares sejam substituídos por alguma das entidades legitimadas a ingressar com ação civil pública não atinge o núcleo essencial da garantia prevista no inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, conquanto integralmente preservado o direito à propositura de ações individuais. Inconstitucionalidade só haveria se se pretendesse, numa interpretação totalmente descabida, aplicar a inovação em detrimento das sentenças anteriormente transitadas em julgado, pois isso afrontaria a garantia do inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal.

IV – Conclusões

Em apertada síntese da exposição, pode-se concluir que: (a) é válida e eficaz a inovação decorrente da alteração do art. 16 da LACP, mas não foi modificada a sistemática especial das ações coletivas reguladas pelo CDC; (b) os efeitos erga omnes têm por finalidade estender, a quem não participou da relação processual, os limites subjetivos que ordinariamente decorrem da coisa julgada e de outras hipóteses de preclusão; (c) quanto aos sujeitos que compuseram a relação processual da ação civil pública, a obrigatoriedade da decisão provém dos limites objetivos e subjetivos da própria coisa julgada, independentemente dos efeitos erga omnes; (d) a limitação territorial ao efeito erga omnes contida no novo art. 16 da LACP representa restrição à substituição processual em face dos titulares de interesses individuais homogêneos que não tenham domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator, mas não prejudica a eficácia da sentença proferida em ações civis públicas ajuizadas na tutela de interesses difusos ou coletivos.

Notas

01 Nesse sentido, cf. o trecho seguinte dos Embargos Declaratórios na Ação Rescisória 1.279/PR: "A especial proteção que a Constituição da República dispensou à ‘res judicata’ não inibe o Estado de definir, em sede meramente legal, as hipóteses ensejadoras da invalidação da própria autoridade da coisa julgada. A garantia constitucional da coisa julgada, em conseqüência, não se qualifica - consoante proclamou o Supremo Tribunal Federal (RTJ 158/934-935) - como fator impeditivo da legítima desconstituição, mediante ação rescisória, da autoridade da ‘res judicata’. Precedente." [Original sem grifo.](STF, Pleno, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 13/09/2002)
02 Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. Da defesa do consumidor em juízo. In: ____ et al. Código brasileiro de defesa do consumidor. 7. ed. Rev. ampl. atual. São Paulo: Forense Universitária, 2001, p. 848 e segs.; MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 16. ed. Rev. ampl. atual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 458; Nery Júnior, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado. 8. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 1456.
03 "A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior".
04 "A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior".
05 No que interessa, o acórdão desse precedente foi assim ementado: "... SENTENÇA - EFICÁCIA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Em princípio, não se tem relevância jurídica suficiente à concessão de liminar no que, mediante o artigo 3º da Medida Provisória nº 1.570/97, a eficácia erga omnes da sentença na ação civil pública fica restrita aos limites da competência territorial do órgão prolator." (ADInMC 1.576/DF, rel. Min. MARCO AURÉLIO, j. em 16/04/1997, pub. no DJU de 06/06/2003, p. 29.)
06 Nesse sentido, cf. MAZZILLI, op. cit., p. 458 e NERY JÚNIOR e NERY, op. cit., p. 1456.
07 ADIn 1.417/DF, Min. OCTÁVIO GALLOTTI, DJU de 23/03/2001.
08 BERNARDES, Juliano Taveira. Controle abstrato de constitucionalidade: elementos materiais e princípios processuais. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 155-156.
09 Cf. ADInMC 3.090/DF e ADInMC 3.100/DF, julgadas em 04/08/2004, cf. Informativo STF, n. 355/2004.
10 Cf. GRINOVER, op. cit.; MAZZILLI, op. cit.; NERY JÚNIOR, op. cit.; MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 7. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 271 e segs.; LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 261 e segs.; BUENO, Cassio Scarpinella. O poder público em juízo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003; FILARDI, Hugo. Ação civil pública e acesso à justiça. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 18, p. 46-61, set. 2004; SILVA, Daniel Ribeiro da. A classificação jurídica da competência e coisa julgada nas ações coletivas. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n. 28, p. 59-69; KRUEGER, Antonia Lélia Neves Sanches. A abrangência da decisão na ação civil pública. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 38, p. 201-208, abr./jun. 2001; MORAES, Paulo Valério Dal Pai. A coisa julgada "erga omnes" nas ações coletivas (Código de Defesa do Consumidor) e a Lei 9.494/97. Revista Jurídica, n. 264, p. 56-80, out. 1999; GRANTHAM, Silvia Resmini. Os limites subjetivos da coisa julgada nas demandas coletivas. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em: jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=4186>. Acesso em: 10 out. 2004.
11 Para MENDES, por exemplo: "Do prisma estritamente processual, a eficácia geral ou a eficácia erga omnes obsta, em primeiro plano, que a questão seja submetida uma vez mais ao Supremo Tribunal Federal." (MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Controle concentrado de constitucionalidade: comentários à Lei n. 9.868, de 10-11-1999. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 330.)
12 Esse o motivo por que o STF, após fixar a verdadeira dimensão e finalidade do processo de controle abstrato de constitucionalidade, a despeito de proposta semelhante haver sido rejeitada no momento da aprovação da Emenda Constitucional n. 16/65, passou a entender que as decisões pela procedência das representações de inconstitucionalidade contavam, automaticamente, com efeitos erga omnes. Daí, a partir de 18/06/77, o então presidente da Corte, Ministro THOMPSON FLORES, determinou que, para fins de suspensão geral da eficácia de atos julgados inconstitucionais pelo STF, as comunicações ao Senado Federal ficam restritas às declarações de inconstitucionalidade incidenter tantum. Cf. MENDES, Gilmar Ferreira, Moreira Alves e o controle de constitucionalidade no Brasil. São Paulo: Celso Bastos, 2000, p. 37 e segs.
13 Cf. BERNARDES, op. cit., especialmente p. 471.
14 Pelo que foi dito, refuta-se ainda a tese disseminada segundo a qual é de efeitos meramente ex nunc a resolução do Senado Federal que suspende a eficácia de ato normativo considerado definitivamente inconstitucional por decisão do STF proferida em controle concreto de constitucionalidade. Ora, se o que o Senado faz é estender erga omnes a eficácia subjetiva original da decisão inter partes do STF, e se essa decisão tem efeitos ex tunc, também o terá a própria resolução do Senado Federal.
15 E tal confusão também ocorre na jurisprudência, como se vê do próprio voto do Min. MARCO AURÉLIO na ADInMC 1.576/DF, quando se manifestou favoravelmente à constitucionalidade da nova redação do art. 16 da LACP: "A alusão à eficácia erga omnes sempre esteve ligada à ultrapassagem dos limites subjetivos da ação, tendo em conta até o mesmo o interesse em jogo – difuso ou coletivo –, não alcançando, portanto, situações concretas, quer sob o ângulo objetivo, quer subjetivo, notadas além das fronteiras fixadoras do juízo. Por isso, tenho a mudança da redação como pedagógica, a revelar o surgimento de efeitos erga omnes na área da atuação do Juízo e, portanto, o respeito à competência geográfica delimitada pelas leis de regência. Isso não implica esvaziamento da ação civil pública nem, tampouco, ingerência indevida do Poder Executivo no Judiciário."
16 Aliás, em matéria de controle abstrato de constitucionalidade, já tentei divisar o efeito erga omnes da abrangência nacional da jurisdição do STF: "De fato, o reconhecimento judicial da invalidade abstrata da lei guarda as mesmas dimensões materiais do ato impugnado. Por isso, a atuação dos efeitos erga omnes da sentença que reconhece a inconstitucionalidade da lei circunscreve-se ao mesmo âmbito de incidência da norma impugnada. Apenas preenche o espaço que esta ocupava. Não fosse a norma de caráter geral, também não o seria a decisão dotada de efeitos erga omnes. Objetiva a sentença somente a anulação da eficácia da norma impugnada, daí por que deve contar com programa normativo semelhante àquele por esta pretendido, só que com o sinal trocado. Ou seja, o reconhecimento judicial da invalidade abstrata da lei mantém as mesmas dimensões materiais do ato impugnado. De outro lado, se a declaração de inconstitucionalidade em tese fulminou norma estadual, o efeito erga omnes circunscrever-se-á ao âmbito de incidência desta. Porém, atingirá todos os originais destinatários da norma impugnada, onde quer que se encontrem, não se aplicando eventuais limitações atinentes à territorialidade do tribunal do qual partiu a decisão. Por exemplo, se um tribunal de justiça, em ADIn estadual, reconhecer a inconstitucionalidade in abstracto de lei estadual que concedia pensões a particulares, estes serão obviamente atingidos pela decisão independentemente do local de domicílio respectivo. Daí o equívoco do STF ao estender, ‘a todo o território nacional’, os efeitos erga omnes decorrentes da reforma de acórdão em ADIn estadual (RE 187.142/RJ, RTJ 168:315)." [Original sem grifo.] (BERNARDES, op. cit., p. 253-254.)
17 NERY JÚNIOR, op. cit., nota ao art. 82 do CDC.

ação de inconstitucionalidade de uma lei é erga omnes passa a valer para todos já uma ação civil publica proposta pelo MP


Processo Possibilidade do efeito erga omnes nas ações individuais

03/03/2009 por Carmen Luiza D.Azambuja
A grande massa de ações no judiciário vem provocando estudos em dois sentidos: o melhor gerenciamento dos casos como forma de adequação da administração da justiça, assim como a discussão sobre o nosso sistema processual para conflitos em que haja vários legitimados ativos para o mesmo bem jurídico em discussão ( direitos de ordem coletiva e difusa, além dos homogêneos).
O primeiro questionamento é de ordem político-administrativa com várias implicações para ensejar uma análise puramente jurídica válida em termos doutrinários para os juristas. Assim, optei pelo segundo ponto da polêmica, isto é, a nova configuração de um ordenamento processual afeito a um novo processo com vários legitimados ativos (litisconsortes) em relação ao objeto jurídico coletivo e difuso como fundamento de seus pedidos ante o instituto da coisa julgada e sua extensão.
Esse exame teve de ser subdividido em três pontos e pelos seguintes motivos: plano constitucional da definição de uma questão jurídica ante o controle difuso de constitucionalidade adotado no Brasil; campo processual da lide e da coisa julgada para que a mesma forme coisa julgada material protegida pela sua intangibilidade pela Constituição; e coerência dos julgamentos ante a coisa julgada material sobre o mesmo objeto jurídico coletivo ou difuso como fundamento de uma decisão individual de um direito coletivo ou difuso.
Em primeiro lugar, como não há coisa julgada sobre um objeto jurídico, sem a análise definitiva do tema, devemos buscar quando há efetivamente a sua formação de cunho material impedindo que qualquer outro juiz reexamine a matéria.
No sistema brasileiro de controle difuso de constitucionalidade, qualquer direito, inclusive os coletivos e difusos, tem seu exame em ações individuais ou civis públicas. Quando em ação civil pública, o efeito erga omnes quando procedente é imediato, enquanto na ação individual, com o mesmo questionamento, a sua extensão processual é somente individual. Assim, o seu exame permanece possível para qualquer indivíduo, inclusive em recurso extraordinário por serem os direitos coletivos e difusos de dúplice legitimidade de ação (individual e coletiva).
Na individual, mesmo com recurso extraordinário e sua análise por uma turma do STF, a decisão ainda terá extensão novamente individual, não obstante o STF dizer para o caso que há o direito difuso como fundamento daquela ação. Com isso, o mesmo poderá ser negado em um próximo pedido, por não fazer coisa julgada o fundamento do pedido.
Assim, houve a necessidade de revisitar no trabalho o que é ação individual, o controle difuso no seu nascedouro (direitos inglês e americano) e como esse controle no Brasil ficou limitado a uma extensão individual de sua coisa julgada, ao passo que nos EUA e na Inglaterra a extensão da coisa julgada dá-se pelo julgamento em si, ou seja, pelo mérito ou objeto da decisão (objeto jurídico decidido).
Em segundo lugar, ao ser ultrapassado esse plano constitucional e de informação quanto ao controle difuso de constitucionalidade e a diferença do efeito erga omnes da ação direta de inconstitucionalidade do modelo europeu ante os dados do controle difuso americano, evidenciou-se então a questão processual, moldado na visão européia do processo italiano que aceitava somente ações individuais, com direitos limitados aos direitos exclusivamente pertinentes às partes e sem reflexos para terceiros como os difusos e coletivos. Assim, os limites da coisa julgada eram somente para as partes e do dispositivo, sem enfrentar ou considerar os motivos da decisão (objeto jurídico da discussão).
Houve, então, a urgência de revisitar a idéia de Lide de Carnelutti numa visão mais ampla e pública do processo trazida pelo professor Galeno Lacerda , relembrando os próprios ensinamentos de Carnelutti e de sua noção na origem de uma lide com um contexto social de conflito de interesses jurídicos que eram somente parcialmente trazidos ao processo.
De grande valia também foi a Obra de Guasp, em que ele mostra a amplitude do processo (seu cunho de instituição, pelo que público pelo seu objeto).
Nesse ponto, pode-se entender a coisa julgada material, num contexto de processo público, em que a dição do direito está afeita a uma decisão judicial com base no direito em questão independentemente da parte, pelo que o direito concedido pode transcender às mesmas. Este é o motivo da própria extensão erga omnes da decisão, quando o magistrado está frente, em um processo individual, de um direito difuso.
Em terceiro lugar, não há julgamento sem coerência e sem equidade.
Neste aspecto, foram revividos os conceitos gregos de equidade, coerência, bem como isonomia, a fim de demonstrar que duas coisas julgadas sobre o mesmo direito que sejam díspares contrariam qualquer noção saudável de julgamento justo e equânime.
Diante disso, a própria ideia e estrutura da coisa julgada material deve atentar, para sua validade e legitimidade, de uma coerência interna no julgamento com o direito em causa. Se entendido como existente para um indivíduo, ele não pode ser considerado como inexistente para outro somente em virtude de terem sido propostos e julgados em processos individuais separados.
Essa contradição é a própria negativa da coisa julgada material ante o julgamento de mérito feito na decisão anterior.
A coerência, congruência e isonomia dos julgamentos determinam que o objeto da decisão seja fundamento e parte integrante da coisa julgada, mormente quando ela não se restringe às partes, posto que o direito por elas debatido é de ordem coletivo ou em especial difuso (este que dá o efeito erga omnes).
Ante essas ponderações, como poderíamos então conciliar o controle difuso com a coisa julgada individual para um direito difuso, a fim de que a coisa julgada material permanecesse íntegra em sua coerência, congruência e isonomia ante o direito difuso aventado pelas partes em ações individuais?
   A forma de obter a integridade da coisa julgada pela base do seu julgamento em uma questão difusa, dentro da nossa processualística e do controle difuso das ações individuais, seria a de observar quando a decisão de procedência da matéria puder se tornar impossível de rediscussão.
No sistema processual brasileiro isso aconteceu somente quando o pleno do STF decide sobre a matéria.
Como chegar então até lá?
O processo é simples. Qualquer ação individual que tenha um direito difuso como seu objeto de decisão e discussão é suscetível de recurso extraordinário.
Quando uma das Turmas reconhecerem que efetivamente o recurso extraordinário deve ser conhecido e que a matéria constitucional é procedente para gerar direitos para quem o pleiteou, a mesma turma está reconhecendo que esse direito não é somente dela. A partir disso, a própria Turma, como faz a Suprema Corte norteamericana, TEM O DEVER CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PARA VALIDAR A SUA COISA JULGADA, DE ENCAMINHAR A CONFIRMAÇÃO DESSE JULGAMENTO PARA O PLENO DO STF, VISTO QUE SOMENTE ESTE É QUEM DÁ A ÚLTIMA PALAVRA EM QUALQUER DIREITO NO SISTEMA PROCESSUAL-CONSTITUCIONAL BRASILEIRO.
Assim, com esse procedimento, sem lesar direitos de terceiros e da parte, nem infringir as regras processuais do processo individual, o pleno estará sendo chamado a cumprir a sua dúplice função de corte constitucional e de baluarte dos direitos fundamentais mormente os difusos.
Essa providência, quando surgir o primeiro caso na Turma de reconhecimento de um direito difuso como causa de uma ação individual, ensejará uma decisão final sobre a matéria em benefício a todos os demais titulares do direito, evitando a multiplicidade e disparidade de decisões individuais sobre o mesmo tema.
Estaremos, ante essa readequação e obrigação da remessa pela Turma de uma decisão procedente em termos de direito difuso em uma ação individual, esvaziando os juízes e tribunais de questões repetitivas sobre a mesma matéria, assegurando a justiça, celeridade e devido processo (correção processual pela manutenção da integridade da coisa julgada positiva sobre a matéria transcendente) a todos os jurisdicionados.
Essa atitude é vital para uma equidade das decisões do poder judiciário, uma justiça célere e preservação dos direitos fundamentais objeto jurídico em várias causas comuns dos cidadãos.
A possibilidade do efeito erga omnes em ações individuais é fator tão claro de cidadania e de justiça que nos Estados Unidos essas questões processuais e de limites da coisa julgada existentes no Brasil nem são objeto de dúvida. O próprio juiz de uma ação individual, ao vislumbrar que nela o objeto jurídico transcende a parte e pode ser considerado como comum a um grupo (coletivo) ou a todos providencia a sua transformação automática em uma ação civil ( difuso) ou uma ação de classe (no coletivo), a fim de assegurar a integridade quanto à decisão do direito para todos os participantes ou beneficiários daquele direito.
As restrições lá existentes são pertinentes somente a ações em que se esteja visando o quando da reparação. Nas ações exclusivamente de discussão do direito, não há empecilho para a extensão da coisa julgada ante o direito decidido e quem se beneficia com o mesmo, ante a sua procedência pelo seu reconhecimento.
É este o mote e o estímulo para repensarmos o processo, sem necessidade de instrumentalização de um processo coletivo ou de massa para novamente burocratizarmos o direito pelo processo, quando o processo é o meio e deve ser adequado ao direito a que serve ou se propõe a dizer na sentença.


LUIZ FELIPE DOS ANJOS DE MELO COSTA - AUDITOR FISCAL DO TRABALHO
lfdosanjos@ig.com.br

CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA
INTRODUÇÃO


Em atenção ao princípio da supremacia da constituição, as demais leis e atos normativos, devem ser com ela compatíveis, podendo haver nas mais diversas ações judiciais o controle de compatibilidade das leis com o texto constitucional.
Neste passo, quando em uma dada ação coletiva, tão cara nos dias atuais, caracterizado por grandes conflitos, tornar-se indispensável o uso do controle incidental de constitucionalidade por juízes ou tribunais, tais efeitos, aparentemente, poderão ser semelhantes ao controle de constitucionalidade concentrado, exercido, exclusivamente, pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, o que poderia provocar, a primeira vista, uma usurpação de competência desta suprema corte.
No processo civil tradicional, voltado para a solução de conflitos individuais, a sentença, faz coisa julgada, somente entre as partes do processo, não prejudicando ou beneficiando terceiros, conforme os termos do artigo 472, do Código de Processo Civil, no entanto, de acordo com o artigo 16 da Lei n. 7347/85, que rege a Ação civil pública, a coisa julgada nesta ação tem efeitos erga omnes.
Quanto ao controle por exceção, os efeitos da decisão incidenter tantum pelo controle difuso, são restritas as partes do processo e pode ser argüida por qualquer interessado ou acolhida de oficio.
Já na forma do controle concentrado somente os legitimados previstos na Constituição Federal podem impetrar as ações previstas e somente podem fazê-lo perante a corte constitucional.
Em tais ações os efeitos são para fora do processo atingindo a todas as pessoas que se sujeitam aos ditames legais tidos por inconstitucionais.
No caso da Ação civil pública, tem-se a um só tempo o controle incidental, mas com efeitos para outras pessoas que não somente as partes do processo o que provoca grande celeuma quanto à possibilidade de controle de constitucionalidade neste modelo de ação.


1 CONTROLE DE COSTITUCIONALIDADE

A supremacia da constituição é uma conseqüência direta da rigidez constitucional, uma vez que, ao exigir um procedimento especial e mais dificultoso para a modificação da Carta Magna, a rigidez acaba protegendo o texto constitucional da legislação ordinária, tornando-o hierarquicamente superior e conferindo-lhe a supremacia no sentido formal ou jurídico.
Estando a Constituição no vértice do ordenamento jurídico, entende-se que todas as demais normas somente são válidas, se compatíveis com o texto esculpido na Lei Maior.
O controle de constitucionalidade nada mais é do que a fiscalização da compatibilidade das normas infraconstitucionais com a Carta Suprema.
Na atual Constituição brasileira o nosso sistema de controle constitucional das leis e atos normativos cabe ao Poder Judiciário, e pode ser classificado de duas formas, sendo uma pelo critério subjetivo, quando pode ser de forma difusa ou concentrada, sendo a primeira realizada por qualquer juízo ou tribunal. Pelo critério formal, que se dá pela via incidental ou pela via principal, ou seja, a ação visa à própria lei taxada de inconstitucional.


1.1 DO SISTEMA DIFUSO

No sistema difuso, como dito, há a possibilidade de qualquer juiz ou tribunal, realizar o controle de constitucionalidade. É o chamado controle pela via de exceção ou defesa, devendo ser observadas as regras de competência processual.

Neste caso dá-se a verificação de constitucionalidade em um dado caso concreto, o que é feito de forma incidental, prejudicial ao exame de mérito, mas necessário ao julgamento da pretensão.
Seus efeitos são limitados somente as partes, produzindo efeitos normalmente desde a edição da lei, o que faz concluir serem os efeitos, em geral, inter partes e ex tunc.
No momento em que é declarado inconstitucional, produz efeitos pretéritos, atingindo a lei desde a sua edição, tornando-a nula de pleno direito.
Desta forma, no controle difuso de constitucionalidade os efeitos são inter partes e ex tunc.
Embora o Supremo Tribunal Federal tenha entendido (RE 197.017) a possibilidade de dar-se efeito ex nunc ou pro futuro.
Para que possa produzir efeitos além dos limites do processo é necessário seguir o determinado pelo artigo 52, X da Magna Carta, que dispõe ser de competência do Senado Federal, de modo exclusivo e facultativo, por meio de resolução, a suspensão no todo em parte da lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, sendo tais efeitos expandidos para todos de modo ex tunc.
Como regra geral os controles pela via difusa são exercidos de forma incidental, enquanto que o controle concentrado é exercido pela via principal, tendo a lei como objeto da ação principal.
Esta regra comporta exceções, quanto a julgamentos de competência originária pelo Supremo Tribunal Federal, quando é possível haver controle concentrado e incidental, como se dá nos julgamentos de mandado de segurança preventivo por ausência do devido processo legislativo.


1.2 DO CONTROLE CONCENTRADO


No controle concentrado há a concentração em um único órgão, sendo de competência originária do referido órgão, podendo dar-se em ação direta de inconstitucionalidade genérica, interventiva ou por omissão, na ação declaratória de constitucionalidade e na argüição de preceito fundamental.
Na ação direta de inconstitucionalidade genérica, o que se busca é o controle do ato normativo em abstrato, marcado pela generalidade, impessoalidade e abstração.
O que se busca é saber se uma dada lei é ou não inconstitucional, manifestando-se o judiciário de modo específico no objeto.
Os objetos de tal demanda são leis ou atos normativos abstratamente considerados.
Sendo considerada lei em sentido amplo incluindo as emendas à Constituição, decretos legislativos, resoluções, medidas provisórias, assim como as leis complementares, leis ordinárias e leis delegadas.
Quanto aos atos normativos podem ser resoluções administrativas de tribunais ou atos estatais de caráter normativo.
Os efeitos gerais da Ação de declaração de inconstitucionalidade no controle concentrado são erga omnes, ex tunc e vinculante em relação aos órgão do Poder Judiciário e da Administração Pública federal, estadual municipal e distrital.


1.3 INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL X INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL


A inconstitucionalidade formal ocorre quando as regras de processo legislativo previstas na Constituição Federal não foram observadas na elaboração da lei ou ato normativo impugnado.
Assim seria inconstitucional quando fosse elaborada por um órgão incompetente que seria a chamada inconstitucionalidade orgânica. Por exemplo, uma lei estadual invadindo competência de uma lei federal.
Já a inconstitucionalidade formal propriamente dita dá-se quando a elaboração da norma desrespeita as demais regras de processo legislativo prevista na Constituição Federal
Já a inconstitucionalidade material ocorre quando o conteúdo da lei ou ato normativo é incompatível como conteúdo da Constituição. Não seria permitida no Brasil uma lei que permitisse, por exemplo, penas cruéis e trabalhos forçados, por violação do artigo 5°, inciso XLVII da Constituição Federal.


2 DA TUTELA JURISDICIONAL COLETIVA


Nos novos tempos, não se pode conceber um sistema de tutela jurisdicional, sem a proteção do princípio da dignidade da pessoa humana, epicentro axiológico de todo o ordenamento jurídico, irradiando efeitos para toda miríade de relações sócias.
Com isso, há uma necessidade de superação dos esquemas tradicionais impregnados do individualismo jurídico, através de um sistema processual ortodoxo, idealizado e vocacionado para a solução de lides intersubjetivas.
É imperiosa a adoção de um processo social adequado à sociedade contemporânea.
Tal processo é imprescindível para que sejam realmente observados os princípios do amplo acesso à justiça, o da efetividade e o da instrumentalidade do processo.
Tem como escopo social promover a pacificação com justiça e político a forma democrática de participação popular.
A tutela coletiva atende ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, previsão contida no artigo 5°, XXXV da Constituição Federal, uma vez que a maior parte da população não tem meio para acionar o poder judiciário, ou mesmo não dispõe de instrução suficiente para ir buscar aquilo que lhe é de direito.
Também é importante no que tange o principio do devido processo legal previsto contida no artigo 5°, LV da Carta Política, o qual exige um processo equânime, justo.
Ademais, evita-se o risco de decisões conflitantes perante o poder judiciário.
As decisões no processo coletivo possuem envergadura social, política e econômica reconhecida aos efeitos de uma decisão nesse universo, à vista da importância, da complexidade e da amplitude dos direitos tutelados.
Através delas busca-se a garantia de padrões mínimos, de serviços sociais básicos, tornando-se uma questão de realização dos interesses transindividuais.


3 A AÇÃO CIVIL PÚBLICA E DIREITOS FUNDAMENTAIS


Os direitos fundamentais têm sua origem no Estado moderno de direito, quando diante da opressão reinante no Estado absolutista e dos privilégios da nobreza, é que, imbuídos no ideal de liberdade e igualdade formal, através de valores universalmente reconhecidos, surgiram os historicamente denominados direitos de primeira dimensão.
O indivíduo abstrato e formal, com o caráter absenteísta do Estado, era severamente explorado e oprimido, mas dessa vez o algoz não era mais o somente o Estado, mas sim os particulares detentores do poder econômico. Surge à necessidade de intervenção do Estado, nasce o ideal de igualdade substantiva. Considera-se o individuo real.
Na trilha do século XIX até o século XX, surgem os historicamente denominados direitos de segunda dimensão, nasce o Estado do bem estar social.
Com os conflitos de massas e ameaça a paz social, surgem os direitos de terceira dimensão, direitos transindviduais.
Pois bem, inovando substancialmente em relação ao regime anterior, a Constituição Federal de 1988 preocupou-se não apenas com a proteção dos direitos humanos de primeira dimensão (direitos civis e direitos políticos) e os de segunda dimensão (direitos sociais, econômicos e culturais), mas, concomitantemente, com a tutela dos direitos humanos de terceira dimensão, também denominados novos direitos, direitos híbridos, direitos ou interesses metaindividuais.
Tais direitos ou interesses têm por destinatários não apenas o homem singularmente considerado, mas o próprio gênero humano.
Assim, estão inseridos o direito a fraternidade, ao meio ambiente sadio, a comunicação ao patrimônio comum da humanidade, bem como os mais diversos direitos ou interesses difuso, coletivos e individuais homogêneos.
Somente a partir da Lei n. 7347, de 24.7.85, é que surgiu o primeiro instrumento de proteção dos interesses da coletividade, tendo por objetivo a responsabilização por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Por seu turno, a Constituição Federal de 1988 alargou as hipóteses de cabimento da referida ação para a proteção de qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
Com o Código de Defesa do Consumidor, instituído pela Lei n. 8078, de 11.9.90, tal elasticidade de bens protegidos foi positivado na legislação infraconstitucional.
Como se vê, a ação civil pública, como instrumento de defesa dos interesses coletivos lato sensu, foi alçada a status constitucional, em função dôo que o intérprete há de agir com generosidade e com os olhos voltados para a realidade política e social em que atua, pois este tipo especial de ação constitucional geralmente traz em seu bojo interesses sociais da mais alta relevância.
Pode-se permitir concluir que se ação civil pública objetiva a defesa de interesses ou direitos fundamentais, deve ser considerada uma cláusula pétrea, pois constitui, inegavelmente, uma garantia fundamental a serviço da cidadania e da efetivação dos demais princípios que fundamentam o Estado Democrático de Direito, a exemplo da ação popular, do mandado de segurança coletivo e do mandado de injunção.
Nas ações coletivas o microssistema formado pela Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7347/85) e do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8078/90) afastou a tradicional regra do artigo 472 do Código de Processo Civil, reconfigurando-a para adaptá-la aos conflitos de massa.
Dentro da nova perspectiva do processo, através do reconhecimento da força normativa da constituição, tendo-se as ações coletivas a função imprescindível ao equilíbrio e desenvolvimento social, e, até mesmo, à própria preservação da vida humana e da dignidade dos indivíduos, é necessário também que este processo não fique limitado às amarras do clássico processo civil.
O Direito positivo deve respeitar o cânon da dignidade da pessoa humana, e como tal deve se adaptar as novas formas de conflito, a fim de que tal alicerce jurídico seja efetivado e respeitado.
Dentro do instrumentalismo que caracteriza a nova fase processual, cabe ao processo concretizar e efetivar o direito material.
O processo deve estar adequado à tutela efetiva dos direitos fundamentais e, além disso, ele próprio deve ser estruturado de acordo com os direitos fundamentais .
A tutela jurisdicional coletiva se relaciona com os direitos fundamentais, dando concretização a eles, especialmente no principio da igualdade entre as partes, quando muitas vezes as pessoas que são atingidas por ações e omissões não têm condições materiais e técnicas de defender seus direitos, necessitando da presença dos legitimados nas ações coletivas, que através deste importante instrumento processual concretiza os mais diversos direitos fundamentais, podendo igualar as forças em conflito, pois quase sempre quem lesiona tem um grande poderio financeiro e sem o manejo das ações coletivas, seria quase impossível a reparação dos interesses coletivos (em sentido amplo).


4 AÇÃO CIVIL PÚBLICA E COISA JULGADA


O tratamento molecular dos litígios necessário para a concretização dos direitos fundamentais, em substituição ao tradicional tratamento atomizado, exigiu a adaptação de alguns instrumentos do processo civil clássico, em especial quanto à legitimação para agir e os limites da coisa julgada.
Há dificuldade reside na medida em que os interesses metaindividuais, concerne a um número mais ou menos indeterminado de pessoas, sendo ajuizada por um representante institucional, diferente do processo individual onde há a similitude entre o titular do direito material e o legitimado processual, fazendo com que a coisa julgada fique limitado a ele.
Já no regime da coisa julgada coletiva, onde esta identificação não ocorre, pois o titular do direito material difere do legitimado processual que é a parte ideológica (Ministério Público, associação etc.), a constituição e a extensão da coisa julgada dependerão da natureza do direito material tutelado e do resultado da demanda.
Desta forma, a disciplina geral da coisa julgada nas ações coletivas vem traçada, de modo diferenciado, nos artigos 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada:

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

§ 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.

§ 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.

§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.

§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.

Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

O Código de Defesa do Consumidor propõe uma nova disciplina da coisa julgada, tendo como objetivo solucionar os conflitos de massa tão característicos da sociedade de massas, ampliando- a erga omnes ou ultra partes, com o fim de beneficiar pessoas que se encontrem numa mesma situação jurídica, mesmo que não tenham sido partes formais do processo.



4.1 A AMPLITUDE SUBJETIVA E OBJETIVA


Para delimitação dos limites subjetivos e objetivos da coisa julgada, e a sua amplitude é necessário verificar a natureza transindividual do direito tutelado( difuso, coletivo ou individual homogêneo) e o resultado da demanda (extinção sem julgamento de mérito, procedência, improcedência, improcedência por insuficiência de provas) diferenciando-se a extensão dos seus efeitos perante terceiros alheios à lide, em relação aos autores legitimados para a propositura da demanda coletiva e aqueles que participaram do contraditório coletivo.


4.1.1 INTERESSES OU DIREITOS DIFUSOS


Os interesses difusos são os transindividuais, de natureza indivisível, tendo como titulares pessoas juridicamente indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato (Lei n. 80278/90, art. 81, I).
A coisa julgada terá efeito erga omnes, salvo na hipótese de ser julgado improcedente por insuficiência de provas, quando qualquer outro legitimado poderá, valendo-se de nova prova, intentar outra ação.
Tal fundamentação justifica-se na medida em que os titulares de tal direito encontram-se dispersos na sociedade, pois são juridicamente indeterminados, ligados apenas por questões de fato.
Todavia, em relação às outras partes ideológicas a coisa julgada é plenamente aplicável, salvo quando for improcedente por insuficiência de provas, não podendo intentar nova ação, ficando coberta pelo manto da coisa julgada material.


4.1.2 INTERESSES OU DIREITOS COLETIVOS


No que tange os interesses ou direitos coletivos, estes são transindividuais, de natureza indivisível, tendo como titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.
Interesses coletivos seriam, pois, os interesses afetos a vários sujeitos não considerados individualmente, mas sim por sua qualidade de membro de comunidades menores ou grupos intercalares, situados entre o indivíduo e o Estado.
A coisa julgada neste caso faz coisa julgada ultra partes, pois os titulares são juridicamente determinados, cabendo de resto as mesmas observações já descritas quanto à parte ideológica, também fazendo coisa julgada secundum eventum probationis.


4.1.3 INTERESSES OU DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS


Os direitos ou interesses individuais homogêneos são a luz do artigo 81, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, os decorrentes de origem comum.
Apresentam certa uniformidade, pela circunstância de que seus titulares encontram-se em certas situações ou enquadrados em certos seguimentos sociais, que lhes confere coesão, aglutinação suficiente para destacá-los da massa de interesses isoladamente considerados.
Com relação aos direitos individuais homogêneos, o tratamento é distinto dos dados aos interesses difusos e coletivos.
Os direitos individuais homogêneos são individuais por natureza, merecendo um tratamento coletivizado, quando for verificado homogeneidade quanto a questões comuns de fato e de direito e tal tratamento for mais bem realizado coletivamente.
Às vezes uma lesão pode parecer pequena e não despertar o interesse de sua reparação, até mesmo diante de dificuldades técnicas e econômicas, portanto um feixe de demandas pode ser mais bem utilizado pela via coletiva, evitando, inclusive decisões contraditórias e gerando economia processual.
Os direitos individuais homogêneos, assim, são individuais em sua essência (com titulares determinados, divisíveis, de fruição singular e disponíveis), sendo que somente adquire feição coletiva a forma processual pela qual podem ser tratados, dada a sua homogeneidade decorrente da origem comum e a expressão social que adquirem .
Neste caso os interesses individuais homogêneos podem ser tutelados tanto pela via individual, como pela via coletiva, o que torna peculiar os efeitos da coisa julgada.
Previu-se que nas demandas coletivas fundadas em direitos individuais homogêneos que a sentença fará coisa julgada “erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores” (artigo 103, inciso III, da Lei n. 8078/90).
Assim, só atingirá os titulares dos interesses individuais na hipótese de procedência da demanda.
No caso de improcedência da ação, em relação aos titulares singulares, eles poderão ingressar com novas ações, desde que não tenham integrado a demanda coletiva como litisconsorte do autor da demanda coletiva, pois neste caso estariam abrangidos pela coisa julgada, não podendo intentar nova ação, tendo em vista o disposto no artigo 103,§2°, da Lei n. 8078/90.
Portanto, as pretensões individuais podem se beneficiar dos efeitos positivos da coisa julgada coletiva secundum eventum litis, estando os particulares beneficiados com as vantagens advindas de tal ação, de modo que a coisa julgada faça efeito perante todos de modo erga omnes.
As pretensões individuais dos particulares não são prejudicadas pela ação julgada desfavorável, somente são atingidos em caso favorável.
Desta forma, a existência de sentença coletiva desfavorável não obsta que os atingidos individualmente possam ingressar com suas ações individuais, pleiteando a sua reparação em concreto
Por outro lado, mesmo com a ação sendo julgada favorável, pode não se beneficiar, no caso em que o individuo já possuindo uma ação individual, ao tomar ciência de uma ação coletiva com o mesmo objeto, não requereu a suspensão da respectiva ação individual no prazo de trinta dias, a contar da ciência dos autos do ajuizamento da ação coletiva (artigo 104 da Lei n. 8078/90).
Neste caso eventual sentença coletiva favorável não o beneficiará, ficando na dependência do resultado favorável, caso não suspenda sua ação, no prazo de trinta dias.


5 AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


Há questões que são postas como fundamento para a solução de outra e há outras que são colocadas para que sobre elas haja decisão judicial.
As primeiras são as questões resolvidas incidenter tantum. Esta forma de resolução não se presta a ficar imune pela coisa julgada, não compondo o chamado thema decidendum.
O magistrado tem que resolvê-la como etapa necessária do seu julgamento, mas não as decidirá. São as questões cuja solução comporá a fundamentação da decisão. Sobre essa resolução, não recairá a imutabilidade da coisa julgada.
Há questões, no entanto, que devem ser decididas, não somente conhecidas. São as questões postas para uma solução principal iter tantum, compondo o objeto do juízo.
Somente em relação a estas é possível falar-se de coisa julgada material, somente sobre elas fala-se em imutabilidade.
O controle incidenter tantum é feito antecedentemente a analise do mérito da demanda, exatamente para que o judiciário possa se manifestar positiva ou negativamente quanto aos pedidos formulados.
A inconstitucionalidade da lei, cuja aplicação em concreto se discute judicialmente é questão prejudicial, que pode ser examinada por qualquer órgão julgador do Poder Judiciário.
Tal controle pode se dar por um juiz de primeira instância, podendo chegar até mesmo no Supremo Tribunal Federal.
Outro é o tratamento que se dá quanto às ações que tem por objeto justamente a lei inquinada de inconstitucional, sendo ela o objeto principal da ação, o que de acordo com o sistema processual brasileiro, deve-se ser intentada apenas pelos legitimados constitucionalmente, onde a competência para julgamento cabe exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal.
Nesta situação, a lei é objeto do processo, tratando-se de um processo objetivo, compondo ela o próprio thema decidendum.
Ocorre assim nos processos objetivos de controle concentrado de constitucionalidade das leis.
Portanto, todos os juízes podem conhecer da questão prejudicial, mas somente o Supremo Tribunal Federal pode decidir a questão.
Há semelhança que pode ser observada entre a Ação Direta de Inconstitucionalidade e a Ação Civil Pública diz respeito aos efeitos da decisão proferida pelo Poder Judiciário, que são erga omnes.
Embora tenham semelhanças, posto que na Ação Direta de Inconstitucionalidade são atingidas todas as pessoas que possam algum dia se submeter aos comandos desta lei tida por inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Na Ação Civil Pública tais efeitos erga omnes atingem no lado ativo da demanda, somente os demais co-legitimados em caso de improcedência do pedido. Inclusive caso tenha sido motivado por insuficiência de provas, qualquer um deles poderá intentar nova ação, não tendo, portanto, o efeito para todos.
Só atingirão os titulares dos direitos transindividuais apenas quando beneficiá-lo, ou seja, somente in utilibus.
No que se refere ao pólo passivo da demanda, somente aqueles réus que formaram a relação processual sofrerão os efeitos da coisa julgada. Assim a declaração de inconstitucionalide de uma lei só servirá para aquelas empresas que participaram do contraditório
A Ação Civil Pública, como qualquer outra ação, pode ter como causa de pedir a alegação de inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, sem que com isso possa querer ter o papel de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Vê-se, portanto, que há apenas semelhanças não sendo o caso de igualdade de ações, o que não é permitido é usar a Ação Civil Pública diretamente para declarar uma lei ou ato normativo como inconstitucional.
Mas, e se a tutela na Ação Civil Pública destinar-se, no caso, à proteção de interesses difusos e coletivos em sentido estrito, há entendimento no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a Ação Civil Pública, cuja sentença tem efeito geral, não se presta a tal fim. Assim manifestou Marcelo Ribeiro Silva:
“ Com efeito, sempre que a decisão proferida em sede de Ação Civil Pública, declarando a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo municipal, estadual ou federal em face da Constituição Federal, produzir efeitos erga omnes, alcançando uma coletividade difusa e indeterminada, suprimindo, por conseqüência, todos os efeito atuais e futuros da lei, ocorrerá usurpação da competência privativa do Supremo Tribunal Federal, por ser este o único órgão do judiciário com competência para exercer o controle concentrado da Carta da República... Ressalte-se, no entanto, que diversa será a hipótese vislumbrada pelo Pretório Excelso quando se tratar de direitos individuais homogêneos, previstos no art. 81, II, da Lei n. 8078/90, pois nesses casosa decisão só alcançará este grupo de pessoas, e não estará usurpando a finalidade constotucional das ações diretas de inconstitucionalidade, sendo permitida” .

Por outro lado, o melhor entendimento, deve ser no sentido de apenas a impossibilidade de se buscar numa Ação Civil Pública para a declaração de inconstitucionalidade de uma norma jurídica, com efeitos abstratos para todos .Como ensina José Afonso da Silva:
“ o seu alcance, contudo, nunca será abstrato e geral para todos. A declaração de inconstitucionalidade, na via indireta, não anula a lei nem a revoga; teoricamente, a lei continua em vigor, eficaz e aplicável, até que o Senado Federal suspenda sua executoriedade nos termos do art.52,X” .

No mesmo sentido é a decisão a seguir ementada, do Supremo Tribunal Federal:
EMENTA: - Reclamação. 2. Ação civil pública contra instituição bancária, objetivando a condenação da ré ao pagamento da "diferença entre a inflação do mês de março de 1990, apurada pelo IBGE, e o índice aplicado para crédito nas cadernetas de poupança, com vencimento entre 14 a 30 de abril de 1990, mais juros de 0,5% ao mês, correção sobre o saldo, devendo o valor a ser pago a cada um fixar-se em liqüidação de sentença". 3. Ação julgada procedente em ambas as instâncias, havendo sido interpostos recursos especial e extraordinário. 4. Reclamação em que se sustenta que o acórdão da Corte reclamada, ao manter a sentença, estabeleceu "uma inconstitucionalidade no plano nacional, em relação a alguns aspectos da Lei nº 8024/1990, que somente ao Supremo Tribunal Federal caberia decretar". 5. Não se trata de hipótese suscetível de confronto com o precedente da Corte na Reclamação nº 434-1 - SP, onde se fazia inequívoco que o objetivo da ação civil pública era declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 7.844/1992, do Estado de São Paulo. 6. No caso concreto, diferentemente, a ação objetiva relação jurídica decorrente de contrato expressamente identificado, a qual estaria sendo alcançada por norma legal subseqüente, cuja aplicação levaria a ferir direito subjetivo dos substituídos. 7. Na ação civil pública, ora em julgamento, dá-se controle de constitucionalidade da Lei nº 8024/1990, por via difusa. Mesmo admitindo que a decisão em exame afasta a incidência de Lei que seria aplicável à hipótese concreta, por ferir direito adquirido e ato jurídico perfeito, certo está que o acórdão respectivo não fica imune ao controle do Supremo Tribunal Federal, desde logo, à vista do art. 102, III, letra b, da Lei Maior, eis que decisão definitiva de Corte local terá reconhecido a inconstitucionalidade de lei federal, ao dirimir determinado conflito de interesses. Manifesta-se, dessa maneira, a convivência dos dois sistemas de controle de constitucionalidade: a mesma lei federal ou estadual poderá ter declarada sua invalidade, quer, em abstrato, na via concentrada, originariamente, pelo STF (CF, art. 102, I, a), quer na via difusa, incidenter tantum, ao ensejo do desate de controvérsia, na defesa de direitos subjetivos de partes interessadas, afastando-se sua incidência no caso concreto em julgamento. 8. Nas ações coletivas, não se nega, à evidência, também, a possibilidade da declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou local. 9. A eficácia erga omnes da decisão, na ação civil pública, ut art. 16, da Lei nº 7347/1997, não subtrai o julgado do controle das instâncias superiores, inclusive do STF. No caso concreto, por exemplo, já se interpôs recurso extraordinário, relativamente ao qual, em situações graves, é viável emprestar-se, ademais, efeito suspensivo. 10. Em reclamação, onde sustentada a usurpação, pela Corte local, de competência do Supremo Tribunal Federal, não cabe, em tese, discutir em torno da eficácia da sentença na ação civil pública (Lei nº 7347/1985, art. 16), o que poderá, entretanto, constituir, eventualmente, tema do recurso extraordinário. 11. Reclamação julgada improcedente, cassando-se a liminar. ( Reclamação n. 600/SP, Relator Ministro Néri da Silveira, Tribunal Pleno, DJU de 5.12.2003, p.19).


6 OBJETO DO PROCESSO E OBJETO LITIGIOSO DO PROCESSO


Para que não pairem dúvidas é necessário esclarecer que a declaração incidental constitui objeto do processo, o qual abrange a totalidade das questões postas sob apreciação judicial.
Não deve ser confundido com objeto litigioso do processo que cingi-se a questão principal, o mérito da causa, a pretensão processual.
Logo em sede de ação civil pública, a questão da declaração de inconstitucionalidade pode fazer parte do objeto do processo, mas nunca ser o objeto litigioso do processo.




CONCLUSÃO

A tutela jurisdicional coletiva é de suma importância diante das crescentes transformações que vem sendo passadas pela sociedade nos últimos anos.
Esta tutela não pode ser mais encarada como uma exceção no meio processual, devendo ser cada vez mais prestigiada no cotidiano processual.
Há que se sair das amarras do processo civil clássico pautado no ideal do liberalismo, onde prepondera uma igualdade abstrata, sem levar em conta o individuo real, que não tem condições de postular seus direitos em juízo, o que vai na contramão dos princípios do amplo acesso ao poder judiciário e do devido processo legal, sem levar em conta o princípio da igualdade material.
A ação civil pública proposta pelos legitimados é uma importante ferramenta na busca da concretização dos direitos fundamentais, muito bem delineados na Constituição, mas tão carente de efetivação por falta de vontade política e da grande concentração de renda existente em nosso país, sendo as ações coletivas verdadeiras garantias de efetivação destes direitos.
É certo que nos mais variados processos, há em diversas ocasiões, obstáculos trazidos por leis inconstitucionais, o que leva a necessidade de controle de constitucionalidade pelo magistrado da causa.
No manejo da ação civil pública, como de qualquer outra ação, pode ser utilizado o expediente do controle de constitucionalidade incidental, especialmente por se tratar de tão importante ação, verdadeira garantia constitucional, não poderia ficar a mercê de tamanha limitação.
Não se pode confundir o papel desta ação com o da ação direta de inconstitucionalidade, pelo que a ação civil pública não é um processo objetivo de controle de constitucionalidade, não tem como objeto litigioso a inconstitucionalidade de lei.
Observou-se ao longo do trabalho que a despeito de certas semelhanças no que tange o instituto da coisa com a ação direta de inconstitucionalidade, mas muitas são as diferenças, como já apontado, portanto o melhor entendimento é no sentido de permitir o controle de constitucionalidade no caso concreto de modo incidental quando necessário para se atingir o bem da vida pretendido em sede de ação civil pública.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constitucional. Ação Civil Pública. Reclamação n. 600/SP, Relator Ministro Néri da Silveira, Tribunal Pleno, DJU de 5.12.2003, p.19.


Currículo do articulista:

Ex- Fiscal de Tributos Municipais de Maceió-AL, especialista em Direito Processual pela Escola da Ma


TRIBUNAL DE JUSTICA - 6ª CÂMARA CÍVEL -AGRAVO INTERNO Nº. 70027730613 vinculado ao AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 70027439264
AGRAVANTE: SOCIEDADE DR. BARTOLOMEU TACCHINI
AGRAVADA: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RS
RELATOR: DES. ARTUR ARNILDO LUDWIG




                                      EGRÉGIA CÂMARA



1.                Trata-se de agravo interno oposto pela SOCIEDADE DR. BARTOLOMEU TACCHINI em face da decisão que negou, monocraticamente, provimento ao agravo de instrumento interposto contra decisão interlocutória que concedeu antecipação de tutela em sede de Ação Civil Pública promovida pela DEFENSORIA PÚBLICA.
Em síntese, o agravante reitera sua irresignação ante à decisão que impediu o reajuste nos planos de saúde de seus contratantes com idade superior a 60 anos ou que ingressem em referida faixa, enquanto perdurar a presente demanda, sob pena de multa.
Consoante as razões recursais, seu Plano de Saúde está plenamente enquadrado nas normas editadas pela Agência Nacional de Saúde, a qual, por sua vez, não considera reajuste a variação das mensalidades em virtude da mudança de faixa etária dos associados, tratando-se de uma adequação atuarial em função da maior utilização dos serviços médicos em função do avanço da idade.
Argumenta, ainda, a impossibilidade de incidência do Estatuto do Idoso e do Código de Defesa do Consumidor aos contratantes que fizeram sessenta anos antes de sua vigência, devendo incidir puramente a Lei dos Planos de Saúde.
Assevera a agravante, ademais, ter cumprido o seu dever de informação, constando expressamente dos contratos a alteração das mensalidades em razão da mudança de faixa etária.
Assim, ressaltando que a manutenção da liminar ora hostilizada quebraria o equilíbrio contratual e terminaria por inviabilizar o Plano de Saúde, postula  a reforma da decisão monocrática com o fim de ver deferido o efeito suspensivo ao agravo de instrumento ou, alternativamente, pelo seu julgamento pelo colegiado e ulterior cassação da liminar.
O agravo mostra-se tempestivo, consoante fls. 514/515.
Foram juntados documentos às fls.527/578, vindo aos autos petição formulada pela agravante, na qual é suscitada a ilegitimidade ativa da agravada para a propositura da presente demanda.
Conforme os argumentos esposados, não podem os contratantes de planos particulares de saúde ser considerados necessitados, motivo pelo qual ocorre afronta ao artigo 3º da Lei nº 11.795/2002, o qual restringe a atuação da Defensoria Pública à defesa dos direitos de quem não teria outra forma de acesso ao judiciário.
Vieram os autos, então, com vista à Procuradora de Justiça, para Parecer.

2. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 5º da Lei 7347/85 com a redação dada pela Lei 11.8448/2007 E DA ILEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA PROMOVER AÇÃO CÍVIL PÚBLICA VISANDO A INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS OU HOMOGÊNEOS

Analisando os autos, verifica-se que a ação visa  à declaração de abusividade dos aumentos no plano de saúde TACCHIMED, APLICADOS EM RAZÃO DA IDADE, nos limites da comarca ( Bento Gonçalves, Monte Belo do Sul e Santa Tereza).
A autora postulou, entre outros pedidos, a antecipação dos efeitos da tutela  determinando-se ao TACCHMED A SUSPENSÃO, SOB PENA DE MULTA, DOS AUMENTOS NA MENSALIDADES DOS PLANOS DE SAÚDE EM RAZÃO DO ADVENTO DA CONDIÇÃO DE IDOSO , INCLUSIVE AQUELES ADREDE APLICADOS AOS 59 ANOS.
A antecipação foi deferida nos seguintes termos:

Defiro a antecipação de tutela para que o réu SOCIEDADE DR. BARTOLOMEU TACCHINI- PLANO DE SAÚDE TACCHIMED SE ABSTENHA DE EFETUAR O REAJUSTE NOS PLANOS DE SAÚDE DE SEUS CONTRATADOS COM IDADE SUPERIOR A 60 ANOS DE IDADE, ENQUANTO ESTIVER EM DISCUSSÃO A PRESENTE DEMANDA.TAMBÉM, QUE SUSPENDA OS AUMENTOS JÁ REALIZADOS EM RAZÃO DA CONDIÇÃO DE IDOSO, OU SEJA, QUANDO IMPLEMENTADA A IDADE DE 60 ANOS..( o grifo é da signatária deste parecer)”
Ora, muito embora a autora, DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO, tenha argumentado quanto à sua legitimidade para a propositura da ação coletiva, consoante se verifica às fls. 87 e segs , invocando para isto os arts. 82 do Código de Defesa do Consumidor, bem como os arts.3º. da Lei n. 11.795/2002 e art. 4º, XI, Lei Complementar n. 80/94 e art. 5º Lei 7347/85 com redação da Lei n. 11.448/2007, é de se reiterar a existência da ADIN/3943 - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE   ajuizada pela  ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO onde é questionada a legitimidade da Defensoria pública para propor ação civil pública contestando a lei que legitima a Defensoria Pública a propor ação civil pública. (artigo 5º da lei 7.347/1985 , com redação dada pela lei 11.448/2007).
A Conamp alega que a possibilidade da Defensoria Pública propor, sem restrição, ação civil pública “afeta diretamente” as atribuições do Ministério Público. Segundo a associação, a lei contraria os artigos 5º, LXXIV, e art. 134, da Constituição Federal, que versam sobre as funções da Defensoria Pública de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que não possuem recursos suficientes.
“Aqueles que são atendidos pela Defensoria Pública devem ser, pelo menos, individualizáveis, identificáveis”, portanto, “não há possibilidade alguma de a Defensoria Pública atuar na defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais”, alega a Conamp.
A relatora da ADI é a ministra Cármem Lúcia Antunes da Rocha.
Destarte, muito embora não tenha sido julgada esta ação, cabe ao Ministério Público, nesta instância, arguir a existência dela e reiterar a inconstitucionalidade dos dispositivos invocados pela Defensoria Pública quando  ajuíza a presente ação coletiva de consumo.
De outra banda, como argumento de reforço, tem-se que, sendo os efeitos da ação coletiva “ erga omnes”, certamente não só atingem os necessitados, condição para a atuação da Defensoria Pública, devendo com isto ser afastada a argumentação posta na inicial de que estes efeitos podem ser limitados em liquidação, em caso de existência de representados não necessitados para fins de Assistência Judiciária Gratuita. Todavia, não se pode confundir o hipossuficiente em razão da natureza contratual de consumo ou o idoso em contrato de natureza consumerista com o necessitado, o qual somente teria acesso ao Judiciário através da função exercida pela Defensoria Pública  a quem cabe tutelar seus direitos individuais na espécie.
Diante disto, é de ser extinto o feito, com base no art. 267, VI do CPC.
Todavia, se afastada tal preliminar, passa-se ao exame do MÉRITO.

3. DO MÉRITO

Compulsando os autos, verifica-se que o presente agravo restringe-se apenas à  manutenção ou não de liminar deferida em ação coletiva intentada pela DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO.
Saliente-se que a questão posta nos autos é complexa e se debate, na verdade, na discussão da aplicação dos princípios da boa-fé contratual, do ato jurídico perfeito, da aplicabilidade da lei no tempo, bem como na incidência de preceitos  de legislação federal protetiva.
Ora, tratando- se de tutela antecipada há que se verificar a implementação dos requisitos da verossimilhança do direito alegado, bem assim do dano irreparável ou de difícil reparação, modulados no art. 273 do CPC.
No que pertine à verossimilhança do direito alegado, temos que a decisão encontra respaldo em entendimento, embora não pacificado, de diversos julgados da nossa Corte, bem assim do STJ que foram trazidos à colação pela autora e que se aplicam , guardadas as peculiaridades, ao caso concreto.
Em verdade, a questão diz respeito, em resumo,  à discussão relativa à possibilidade de imprimir valores às diversas faixas etárias nos contratos de plano de saúde e seguro. Tem-se as situações dos contratos firmados antes da Lei 9656/98; dos contratos firmados e adaptados depois da referida lei , mas antes de 01 de janeiro de 2004( Estatuto do Idoso), e, finalmente os contratos firmados ou adaptados a partir do referido estatuto.
A autora acena com a exorbitância de percentual fixado a diversos segurados, em razão do implemento dos 60 anos e também a projeção destes aumentos quando atingirem 70 anos, demonstrando percentuais diversos para diferentes segurados.
De outra banda, o art.15, parágrafo único do Estatuto do Idoso traz proibição que , segundo a autora, incide na espécie, impossibilitando o aumento em função da idade.
Por outro lado, o requerido acena com a impossibilidade de manter o plano sem a captação dos  valores com o diferencial e o acréscimo em razão da idade, eis que estes representam 40% das despesas , embora sejam 15% dos segurados. Alega, a observação dos percentuais previstos pela ANS.
Diante do impasse, verifica-se que a autora demonstrou os valores diferenciados importando reajustes, no mínimo, bem superiores a 40% dos prêmios que viam sendo cobrados para aqueles que incrementam os 60 anos. De outra banda, o requerido somente alegou estar de acordo com as tabelas da ANS, mas não afastou a abusividade dos percentuais e a discrepância entre estes , caso a caso dos contratos quando os segurados atingem 60 anos .
Assim, considerando o entendimento majoritário deste Tribunal a prestigiar o consumidor idoso nos contratos de plano de saúde e seguro, bem assim o mesmo entendimento do STJ, em especial no voto da Ministra Nancy Andrigui ( fl. 125/130), presente a verossimilhança para embasar a decisão agravada.
No que pertine ao dano irreparável, tem-se que também há presença deste, pois, muito embora o requerido invoque  a inviabilidade do plano de saúde caso seja cumprida a antecipação deferida, mencionando ainda os aspectos sociais do atendimento firmado pelo Hospital a uma comunidade serrana, a decisão trará prejuízos irreversíveis caso se mantenha os reajustes da faixa etária, de forma exorbitante. É que a conseqüência será o expurgo do segurado idoso do plano do qual participa,  em muitos casos, há quase 20 anos, quando criado. Vê-se o consumidor impossibilitado de receber atendimento à saúde no momento quando mais necessita dele e esta foi a razão para aderir ao plano.
De outra banda, embora reconheça as possíveis dificuldades do plano em se manter hígido, cumprindo com os serviços oferecidos, não se deixa de afastar um aspecto que subjaz a este tipo de prestação de serviço: o custo e o benefício. Toda esta atividade está assentada em cálculos atuariais, que, muito embora  constituído há vinte anos, não poderia descurar da idade do segurado e da longevidade deste, fatores dos mais importantes para o cálculos atuariais. É ínsito ao risco do negócio- seguros, planos de saúde, a utilização cada vez maior do serviço por parte de quem vai envelhecendo e isto não pode ser afastado ou desconsiderado no planejamento atuarial para cálculo do prêmio e das coberturas. Assim, se a atividade do requerido é esta, previsível sempre foi a cobertura para aqueles que já vão atingindo os 60 anos e exigindo  mais prestação de serviços do plano. Entretanto, imprevisível para os segurados o aumento abusivo dos valores quando justamente no momento de maior exigência dos serviços de saúde, não possam gozar dos benefícios, porque o prêmio torna-se inatingível, extrapolando os reajustes de todos os outros serviços que o ser humano necessita . Não se faz seguro ou plano de saúde somente  para utilizá-los na mocidade, mas para dar a segurança quando, inexoravelmente, em razão da idade, os problemas de saúde afloram, outro dado também computável no cálculo atuarial.
Assim, se de uma lado temos  a previsibilidade por parte do PLANO DE SAÚDE da demanda de serviços  ocasionada pela fragilidade física da idade, de outro temos a imprevisibilidade do consumidor de arcar com valores exorbitantes para manter o plano quando mais precisa dele. Em verdade, a injustiça não está no escalonamento por faixas, mas nos percentuais praticados , ainda que regulados por agência governamental, evidenciando que as seguradoras não querem suportar os riscos inerentes à natureza dos serviços prestados.
Neste passo, o dano se mostra irreversível e, portanto, deve ser mantida a decisão agravada.

5. Em face do exposto, o Ministério Público de 2º Grau opina seja: ACOLHIDA A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO e, não sendo este o entendimento opina-se pelo IMPROVIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO, mantendo-se a antecipação de tutela posta na decisão agravada.
Porto Alegre, 18 de dezembro de 2008.

Sara Duarte Schütz

Procuradora de Justiça

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