ARGUMENTOS
Assevera-se que o argumento constitui uma espécie de
construção verbal – quer seja na modalidade oral, quer seja na modalidade
escrita da língua - cuja finalidade precípua é a persuasão do auditório
(interlocutor, ouvinte, leitor, telespectador, etc) a respeito de uma tese que
ocupa o centro de um debate ou de uma polêmica, gerando, portanto, dois
partidos contrários. Ao proceder de tal forma, paga-se evidente tributo aos
pressupostos da teoria da argumentação perelmaniana, igualmente denominada de
Nova Retórica. Isso porque, conforme fazem notar Chaim Perelman e Lucie
Olbrechts-Tyteca (1996, p.4), o objeto da teoria da argumentação “é o estudo
das técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão dos
espíritos às teses que se lhes apresentam ao assentimento”.
Doravante,
à guisa de exemplo, mostrar-se-ão definições outras do conceito em pauta, as
quais, ao fim e ao cabo, nunca abdicam de uma espinha dorsal em comum: o
argumento entendido como meio de persuadir. Para Rodriguez (2005, p.89, p.107),
os argumentos são vistos como enunciados ou meios linguísticos que levam à
persuasão. No entendimento de Olivier Reboul (2004, p.105), são considerados
argumentos aquelas proposições destinadas a levar à admissão de outras. Marcus
C. Acquaviva, em seu Dicionário Jurídico (2010, p.105), aborda o
argumento como “alegação fundada num juízo de valor, visando comprovar ou
refutar uma proposição. Consideração destinada a afirmar ou negar uma tese”. A
posição do filósofo italiano Nicola Abbagnano (2000, p.79) é a de que o
argumento constitui algo “capaz de captar o assentimento e de induzir à
persuasão ou à convicção”. Por derradeiro, Dante Tringali (1988, p.62), munido,
a um só tempo, de simplicidade e de rigor, declara que “o raciocínio para
provar, exteriorizado, chama-se argumento”, ou ainda, na página 85:
“Argumentação é a atividade pela qual se produzem argumentos. Argumento é um
raciocínio exteriorizado pelo qual se prova ou se refuta alguma coisa”.
Expostos
que estão conceitos de argumento, é oportunidade de estabelecer sua tipologia.
No que a isso toca, importa advertir, antes de mais nada, que uma tentativa
exaustiva e que se deseja completa de elencar as modalidades de argumento está
fadada a forte insucesso, tantas são as classificações de que se dispõe nos
dias que correm. Por essa razão, Aristóteles e, sobretudo, Chaim Perelman e
Lucie Olbrechts-Tyteca ainda serão o guia nesse particular, o que parece não
constituir objeto de contestação possível. Se, consoante salientado, as
classificações são numerosas, quase todas, senão todas, bebem na fonte dos três
teóricos. À luz de tais coordenadas, vejam-se abaixo vinte tipos de argumentos.
1)Argumento de
Autoridade
No
essencial, o argumentador usa o argumento de autoridade quando se vale do
ensinamento de uma personalidade reconhecida e prestigiada em determinada área
do saber para confirmar uma tese. Justifica-se, pois, uma afirmação baseando-se
no valor de mestres que pensam semelhantemente à proposição apresentada. Tal
argumento é também conhecido pelas denominações argumentum magister
dixit ouad verecundiam. O argumento de autoridade extrai grande parte do
poder persuasivo em virtude da presunção de imparcialidade e da presunção de
conhecimento. A citação da doutrina, da legislação e da jurisprudência
representa o emprego mais comum do argumento de autoridade no discurso forense.
Segundo lembra Fetzner (2009, p.72), mesmo não tendo formação acadêmica, um
indivíduo pode exercer o papel de autoridade. Provavelmente, um agricultor terá
os conhecimentos necessários para saber se o solo de uma propriedade é ou não
adequado ao plantio de determinada cultura. De semelhante maneira, alguém se
torna autoridade quando é sustentado pela representatividade social que detém.
Incluem-se nesse caso um líder comunitário, um pastor de uma igreja, entre
outros exemplos possíveis de assinalar.
Chegados a este ponto,
é lícito questionar: como é possível refutar o argumento de autoridade?
O
advogado ou o crítico literário, por exemplo, que deve contestar o poder de
persuasão de um especialista em certo assunto poderá lembrar que tal experto
pode ter falhado. Tanto isso é razoável que não é fato incomum encontrar
intelectuais reconsiderando suas opiniões e suas teorias depois de as terem
formulado num passado distante ou não. Dito de outra forma: os cientistas, os
filósofos, os juristas, os intelectuais em geral mudam de opinião como qualquer
pessoa. Além do mais, deve-se colocar em debate de onde provém o crédito do
especialista: é originário da academia ou dos meios de comunicação de massa?
Artifício outro é questionar o próprio prestígio da pessoa invocada. Estratégia
bastante razoável para combater o argumento de autoridade usado por um orador é
apresentar-lhe outro argumento de autoridade, advogando tese contrária, de
maneira que, no final das contas, é a palavra de um contra a palavra do outro.
2) Argumento a
Fortiori
Para
começo de comentário, esclareça-se que a expressão latina a fortiorisignifica com
maior razão. Exemplo perfeito de argumento a fortiori é esta
conhecida passagem encontrada na Bíblia, especificamente no Evangelho
de São Mateus: se até os passarinhos merecem cuidados do Pai, com mais razão,
os homens os merecem. Trata-se, em geral, de um argumento muito eficaz, visto
que seu arcabouço lógico é incontestável.
O
argumento a fortiori divide-se em dois tipos fundamentais, conforme
ficará evidenciado com o auxílio de Rodriguez (2005, p.190): o argumento a
minori ad maius e o argumento a maiori ad minus. Como exemplo do
primeiro caso, atente-se na seguinte passagem: se uma lei prescreve que não se
pode trafegar de noite com os faróis do veículo apagados, a fortiori deve-se
entender que é proibido trafegar de noite com um veículo sem faróis. Se a lei
proíbe o menor, evidentemente deve proibir o maior. Quanto ao segundo tipo, seu
funcionamento resume-se na expressão quem pode o mais pode o menos.
3) O Córax
Quando
se emprega o argumento do córax, declara-se que algo é inverossímil por ser
exageradamente verossímil. Entenda-se como funciona tal argumento por meio de
breve ilustração: o senhor X, numa mesa de bar, jura, para todos que quiserem
ouvi-lo, que matará o senhor Y. No dia seguinte, o senhor Y aparece morto. Ora,
diante de tais fatos, a incriminação daquele que jurava a morte é tão evidente
que chega a ser mais provável que outro inimigo do vitimado, mais oportunista,
tenha se valido da ameaça para cumprir seu intento criminoso. Como combater o
córax? Reforçando que o argumentador que invoca o córax o encontrou como única
saída, falaciosa, mediante a contundência da prova que deveria enfrentar. Ou
ainda: o córax pode ser voltado contra seu autor, afirmando que ele cometeu um
crime por achar que pareceria suspeito demais para que dele suspeitassem.
4) A Regra de Justiça
Existem
argumentos que se fundamentam na regra de justiça, os quais detêm inegável grau
de racionalidade. De acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p.248), “a
regra de justiça requer a aplicação de um tratamento idêntico a seres ou
situações que são integrados numa mesma categoria”. Dito de outra maneira, em
situação idêntica, impõe-se o mesmo tratamento ao sujeito de direito, com o
intuito de evitar privilégio, numa atitude que almeja se distanciar dos “dois
pesos e duas medidas” (Cf. Henriques, 2008, p.62). Abreu (2009, p.50) considera
a regra da justiça nestes termos: “É um argumento de justiça, fundamentado na
importância de um precedente”.
5) O Argumento
Pragmático
À
luz dos postulados fundamentais de Chaim Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996,
p.303), denomina-se “argumento pragmático aquele que permite apreciar um ato ou
um acontecimento consoante suas consequências favoráveis ou desfavoráveis”. Ou
seja: para apreciar um acontecimento, cumpre reportar-se a seus efeitos. Se um
jurista argumenta contra a pena de morte, asseverando que, em caso de erro, tal
falha já não pode ser reparada, vale-se do argumento pragmático.
6) Argumento do
Desperdício
Invoca-se,
vez outra, a autoridade de Chaim Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p.317) com
vistas a explicar a essência do argumento em pauta: “O argumento do desperdício
consiste em dizer que, uma vez que já se começou uma obra, que já se aceitaram
sacrifícios que se perderiam em caso de renúncia à empreitada, cumpre
prosseguir na mesma direção”. Em suma: é preciso ir até o fim para não perder o
tempo e o investimento.
Exemplo
clássico de pessoa que emprega tal modalidade de argumento: o estudante
principia um curso universitário, que descobre não gostar ao cabo do primeiro
ano de estudos. Embora desgostoso, prefere continuar tal curso “a perder
mais de 10 mensalidades pagas”.
O
argumento do desperdício incita a prosseguir uma ação já começada até o êxito
final. Nessa linha de considerações, é ao raciocínio do desperdício que se
reporta o chefe de uma quadrilha de marginais, que cava extenso túnel por meio
do qual intenta chegar ao cofre de determinado banco. Se um dos meliantes, no
meio da ação, aparenta perder a motivação e o desejo de ganhar fortuna de forma
ilegal, o chefe exortará: “Faltam apenas 5 km de escavações. Você desistirá
agora, em que estamos praticamente atingindo os objetivos? Você simplesmente
jogará fora os 10 km já cavados?”
7) Argumentum ad
Baculum
Este
argumento estriba-se no princípio segundo o qual é a força que faz o direito. O
exemplo apontado para ilustrar o ponto é colhido de Abreu (2009, p.66): quando
uma mãe, para afastar o filho pequeno das proximidades do fogão, em vez de
dizer-lhe que “é muito quente”, que ele pode se machucar, afirma simplesmente:
“Sai daí, senão você apanha”, está empregando o Argumentum ad Baculum,
cuja tradução é “argumento do porrete”. O mesmo se verifica quando um
jornalista, no lugar de afirmar que este país ou aquele país devem abster-se de
construir armas atômicas, para não intensificar o perigo de guerras de
destruição em massa, diz que tais países não devem armar-se nuclearmente,
porque podem, a qualquer momento, ser bombardeados pelas grandes potências
mundiais, as quais, agindo assim, estariam zelando em favor da paz do planeta.
8) O Argumento do
Sacrifício
O
argumento do sacrifício consiste em estabelecer o valor de algo ou de uma causa
pelos sacrifícios que são ou serão feitos por eles. Sendo mais didático:
sacrificar-se por alguma coisa ou por alguém é, muito naturalmente, atribuir
elevado valor a tal coisa ou a esse alguém pelos quais se sacrifica. Nessa
ordem de raciocínio, é possível persuadir um auditório contrário ao
cristianismo, ressaltando que, se simples homens enfrentavam feras por amor de
sua fé cristã, então, possui o cristianismo alto e incontestável valor.
No
concernente a esse argumento, merece atenção o comentário de Olivier Reboul
(2004, p.184): “Note-se que o sacrifício muitas vezes é ambíguo; os sofrimentos
dos alemães no fim da guerra foram qualificados de sacrifício pelos
hitleristas, de castigo pelos aliados...”. De forma análoga, não é inútil tomar
em conta que, se o objeto do sacrifício apresenta um valor fraco, o prestigio
daqueles que se sacrificam por ele sairá diminuído.
9) Argumento por
Dilema
Segundo
Olivier Reboul (2004, p.171), o “dilema prova que os dois termos de uma
alternativa levam à mesma consequência”. É a essa modalidade de argumento que
se reporta o exemplo abaixo: “Por que devo eu recriminá-lo? Se você for
honesto, não merecerá a recriminação; se, pelo contrário, você for desonesto, a
recriminação não vai perturbá-lo”.
O
argumento por dilema deve ser muito valorizado nas disputas forenses. Se o
advogado logra utilizá-lo com êxito, termina por colocar o advogado da parte
contrária ou o promotor, por assim dizer, “numa sinuca de bico”.
10) Argumentum ad
Misericordiam
Trata-se
do argumento que apela à piedade das pessoas para que determinada situação seja
aceita. Como se deduz, é, no fundamental, uma prova de ordem patética. Quem
quer provar, por exemplo, que certo funcionário de uma empresa merece aumento
salarial, porque sua esposa acaba de ter o quinto filho e porque a família paga
um aluguel muito caro, está se valendo, portanto, doargumentum ad misericordiam.
11) Argumento da
Direção
O
argumento da direção consiste em rejeitar algo porque ele serviria de meio para
um fim que não se deseja. Assim, na ocasião em que se argumenta que o salário
dos professores é excessivamente baixo, o contra-argumento é o de que todas as
categorias de funcionários iriam exigir aumento, se os professores tivessem-no.
É, em suma, o argumento da reação em cadeia, da perda do controle. Chaim
Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p.321) colocam a questão em termos bastante
inteligíveis e concretos: “se você ceder esta vez, deverá ceder um pouco mais
da próxima, e sabe Deus aonde você vai parar”.
12) Argumentum ad
Ignorantiam
Tal
argumento sustenta a ideia de que uma proposição é verdadeira, pois, até aquele
momento, não se demonstrou sua falsidade, ou é falsa porque, até aquele
instante, não se demonstrou sua veracidade. Quando alguém enuncia as seguintes
proposições: “não há vida após a morte” e “não existe vida em outro planeta”,
geralmente as prova vêm por meio do argumentum ad ignorantiam: “ninguém,
até o presente momento, provou que há vida após a morte, bem como ninguém
provou até agora que existe vida em outros planetas”.
Não
é necessário muito esforço para chegar à conclusão de que essa modalidade de
argumento é bastante datada: nos tempos antigos, várias pessoas provavam sua
opinião de que a Terra era plana, uma vez que ninguém havia provado o
contrário.
Apesar
de parecer antipático, é no argumentum ad ignorantiam que repousa um
dos postulados mais belos do Direito: “Ninguém é culpado até prova em
contrário”.
13) Argumento da
Pergunta Complexa
Curioso
argumento é reportado por António S. Abreu no livro A Arte de Argumentar (2009,
p.70). Trata-se de um argumento – ou de um falso argumento como prefere
chamá-lo o autor – que parte de uma pergunta que traz uma afirmação embutida
dentro dela. Exemplos: “Você parou de bater em sua mulher?”; “O que você fez
com o dinheiro que roubou?”; “Por que as empresas privadas sempre são mais
eficientes que as empresas públicas?”.
É
óbvio que, primeiramente, o importante é saber se a pessoa acusada de bater na
mulher ou roubar dinheiro de fato cometeu essas ações reprováveis. Como são
perguntas muito ardilosas, é imprescindível que o advogado ou outro
profissional pense algumas vezes antes de responder a elas, pois poderá cair
numa armadilha da qual será árduo se livrar. A propósito, não podemos deixar de
mencionar que esse gênero de argumento lembra de perto a técnica da chamada
petição de princípio, em que se toma por admitida a tese que é justamente
preciso provar (a bem do rigor, a petição de princípio é o argumento de quem
não possui argumentos).
14) Argumento da
Essência
O
argumento da essência (elaborado com base no “Lugar da Essência” listado por
Chaim Perelman e Olbrechts-Tyetca) consiste em declarar que algo ou alguém são
superiores porque neles está encarnada a essência. Dessa maneira, num concurso
de miss, os jurados podem argumentar que elegeram, por exemplo, a representante
de Pernambuco como a miss Brasil, porquanto a citada candidata foi a que mais
se aproximou de um padrão ideal de beleza no Brasil, quer dizer, de uma
essência de beleza feminina brasileira.
15) Argumento de Causalidade
O
exemplo é retirado de Olivier Reboul (2004, p.173), que, por sua vez,
aproveitou-o de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p.300); quanto a nós,
tomamos a decisão de dele fazer uso, nesta verbete, pois, segundo nos parece, o
referido exemplo logra ilustrar à perfeição o argumento de causalidade: “se um
exército sempre teve excelentes informações sobre o inimigo, infere-se que seu
serviço de inteligência é excelente, e que sempre será assim”. Com efeito, esse
argumento alicerça-se numa constatação de uma ocorrência constante nos fatos,
deles inferindo um nexo causal.
16) Argumentação pelo
Exemplo
A
argumentação pelo exemplo, que é largamente conhecida e que constitui excelente
recurso em situações de controvérsia, é elaborada com base num processo de
generalização a partir de caso particular. Por conseguinte, o exemplo serve
para confirmar uma regra que se pretende provar; vai, em suma, do fato à regra.
Recorre-se ao argumento pelo exemplo se, defendendo a tese de que as pessoas de
mais de 50 anos de idade ainda podem realizar grandes coisas, usa-se como prova
o exemplo do romano Julio César (100 - 44 aC), que, depois de seus cinquenta
anos, venceu os gauleses, derrotou Pompeu e tornou-se governador absoluto em
Roma. Não é sem sentido notar que o exemplo é figurativo, ou seja, apresenta
fatos concretos: pessoas, acontecimentos, situação particulares e não
abstratas.
Na
história recente do Brasil, Abreu (2009, p.61) relata a ocorrência de que,
quando Tancredo Neves pretendia ser candidato à presidência da República,
houve, dentro do PMDB, rumores contrários à sua candidatura, alegando ter ele
idade avançada. De imediato, Tancredo argumentou pelo exemplo, retrucando que,
aos 23 anos, Nero tinha posto fogo em Roma, e que, com 71 anos, Churchill havia
vencido os nazistas, na Segunda Guerra Mundial.
17) Argumento por
analogia
O
argumento por analogia baseia-se numa estratégia de semelhança entre elementos
diversos, provando um fato graças a uma similitude de relações. Trata-se de uma
prova mais afetiva do que racional. Como exemplo de tal argumento, tem-se:
“Assim como os olhos do morcego são ofuscados pela claridade do dia, do mesmo
modo nossa inteligência ofusca-se pelas coisas naturalmente evidentes”. A
relação de semelhança depreendida do exemplo, cuja autoria pertence a
Aristóteles, em sua obra Metafísica, é o do “ofuscamento”. Consoante se
percebe, ao recorrer a uma analogia, o argumentador vale-se de um processo que
lida com realidades heterogêneas: o morcego não é do mesmo gênero da
inteligência, o que, na visão de Chaim Perelman e de Lucie Olbrechts-Tyteca
(1996, p.425), é o caráter que distingue a analogia. .
18) Argumento ad
absurdum
Igualmente
denominado de argumento apagógico, é aquele que aponta para a falsidade de
certa proposição, estendendo-se seu sentido e aplicando-lhe regras lógicas do
Direito, até alcançar um resultado entendido pelo interlocutor como impossível,
momento em que se verifica, de fato, a persuasão. De tudo quanto se leu sobre
tal modalidade argumentativa, crê-se que a ilustração fornecida por Victor
Gabriel Rodriguez (2005, p.176) é insuperável a vários títulos.
O
réu está preso por porte ilegal de arma de fogo. A acusação quer que se lhe
negue o direito à liberdade provisória, pois afirma que o crime é grave e a lei
não lhe permite o benefício. Mas, pensemos: estatística recente assenta que
perambulam, nesta cidade de São Paulo, aproximadamente 1 milhão de armas
ilegais. Se existem 1 milhão de armas ilegais, há a mesma quantidade de pessoas
cometendo o mesmo delito que o ora acusado. Sendo a justiça igual para todos –
e isso parece inegável -, deveria haver, neste momento, 1 milhão de paulistanos
presos cautelarmente, sob a mesma acusação. Isso importa em afirmar que, pelo
mais sensível e banal princípio jurídico, nem se o maior bairro de São Paulo
fosse transformado em um presídio, haveria como alocar todos os presumidos
detentos.
O
resultado final da progressão do raciocínio é inaceitável, já que postula a
prisão de quase dez por cento da população da cidade de São Paulo, algo que,
além de não ser aceitável, constitui evidente absurdo.
19) Argumentos
extraídos dos Lugares da Quantidade
Chaim
Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca (1996, p.97) entendem os lugares da
quantidade como noções segundo as quais “alguma coisa é melhor do que outra por
razões quantitativas”. Em termos práticos, valem-se de tal modalidade de
argumentos aqueles que afirmam o seguinte: “Um bem que serve a um número muito
grande de pessoas possui mais valor do que um bem que serve a um reduzido
grupo”, “A vitória de Fulano é incontestável do ângulo democrático, visto que
ele foi o mais votado de todos os candidatos a presidente”; “O Flamengo é o
clube de futebol mais querido do Brasil haja vista que congrega o maior número
de torcedores”; “A Igreja Conservadora Progressista é, sem espaço para
contestação, a melhor, pois é a que possui maior número de adeptos”. “Ninguém
pode pôr em dúvida de que Big Brother Brasil é o melhor programa da
TV aberta, porque, não fosse dessa maneira, a atração não teria o maior índice
de audiência calculado pelo Ibope”, “Neste ano, não pagarei meus impostos.
Ninguém os paga; por que haveria eu de pagá-los?”.
Facilmente
se chega à conclusão de que é não é matéria árdua neutralizar os argumentos
acima. Uma das formas mais eficientes para tanto é empregar os argumentos
fundamentados nos lugares da qualidade, comentados logo adiante.
20) Argumentos extraídos
dos Lugares da Qualidade
Quando
se contesta a virtude do número, então, entra-se no campo dos argumentos
originados dos lugares da qualidade. Em suma, os argumentadores opõem aos
números a qualidade, o único, o raro. São argumentos baseados nesse lugar os
seguintes exemplos: “Tenho relações sexuais uma vez por dois meses; como são
experiências intensas, virtuosas, superiores, prazerosas e, além de tudo,
inesquecíveis, não há por que pensar em fazer sexo todos os dias”; “Prefiro
apreciar a Mona Lisa a jogar nos cassinos, visto que o quadro de Leonardo da
Vinci é único; os cassinos, por seu turno, estão espalhados por toda parte”;
“Roda Vida é o melhor programa da TV brasileira. Embora tenha um dos menores
índices de audiência da TV aberta, são entrevistadas interessantes
personalidades pelos mais competentes jornalistas. Além do mais, os
participantes têm oportunidade de desenvolver seu raciocínio de maneira
completa”.
Bibliografia
Antonio
S. Abreu. A Arte de Argumentar (2009). Aristóteles. Arte Retórica
e Arte Poética. s.d., Chaim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca. A Nova
Retórica(1996). Dante Tringali. Introdução à Retórica: a retórica como
crítica literária(1988), Marcus C. Acquaviva. Dicionário Jurídico (2010),
João Adalberto Campato Jr.Retórica e Literatura. (2003). Néli Cavalieri
Fetzner (Org.). Lições de Argumentação Jurídica (2009). Olivier
Reboul. Introdução à Retórica. Martins Fontes (2004). Victor G.
Rodriguez. Argumentação Jurídica (2005).
http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=1082&Itemid=2
Este texto origina-se de um verbete de minha autoria. João Adalberto Campato Jr.
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