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quarta-feira, 9 de outubro de 2013

AÇÕES DÚPLICES - PEDIDO CONTRAPOSTO

INFORMAÇÕES DESTE ARTIGO 
Título:Ações Dúplices E Pedido Contraposto
Autor do artigo: :Gislene Barbosa da Costa
Qualificação (do 1o autor):Profissional
Área do Direito:Direito Processual
Ano de Publicação:2008
Fale com o autor:gbc@baptista.com.br


1. Introdução 

A figura do autor, conforme estrutura tradicional do direito processual civil, é conceituada como sendo a parte que formula em face do réu pedido completo (mediato e imediato). É o principal interessado na ação e somente a ele é possível a concessão de um bem da vida através da demanda, vez que ao réu é vedada a formulação de pedido mediato[1], mas tão somente de pedido imediato: a sentença declaratória negativa. 



Paira um antagonismo de interesses sobre o conteúdo da decisão a ser proferida, vez que, conforme lição de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR[2], “enquanto, todavia, o autor pretende que seu pedido seja acolhido pelo Poder Judiciário, o réu pretende justamente o contrário, isto é, que o pedido seja rejeitado. Em torno da lide, um procura demonstrar a legitimidade da pretensão e, outro, a da resistência”. 

Ocorre que, em alguns casos, por imperativo legal ou pela própria natureza da ação, autor e réu são igualmente interessados na concessão do bem da vida objetivado na demanda, ocupando eles, simultaneamente, os pólos ativo e passivo da ação, fazendo cessar o tradicional antagonismo de interesses quanto ao conteúdo do provimento jurisdicional. Surge, assim, a possibilidade de conceder ao réu, dento de mesma ação, o bem da vida objeto do litígio. Este fenômeno processual ocorre nas ações dúplices e naquelas onde é possível o pedido contraposto[3]. 

Aqui serão, de forma sintética, analisados estes dois institutos. 

2. Ações Dúplices 

A essência do interesse processual e do direito de ação reside no fato de que a parte que pretende o reconhecimento de uma pretensão, amparada pelo ordenamento jurídico e não cumprida espontaneamente, deve propor a correspondente ação em face daquele que resiste ao cumprimento do dever. O direito de defesa do réu será sempre simétrico ao direito de ação do autor. 

No entanto, muito embora o direito de ação e o direito de defesa são baseados num mesmo interesse substancial, diferem-se sob o aspecto processual, vez que o primeiro é ativo e tem o poder de fixar o thema decidendum, enquanto que o segundo é passivo e procura apenas, como visto no tópico anterior, resistir à pretensão contida na ação. Como bem ressalta HUMBERTO THEODORO JUNIOR[4], como regra geral “o autor pede e o réu impede”, podendo valer-se das formas previstas na lei[5]. 

No entanto, as definições clássicas ditadas pela Teoria Geral do Processo encontram exceção em algumas ações em que o antagonismo de interesses quanto à concessão do provimento jurisdicional não ocorre: o interesse, a expectativa e a posição processual dos litigantes, neste aspecto, são exatamente os mesmos. Esta simultaneidade de interesses e posições assumidos pelas partes no processo decorre da natureza da pretensão de direito material deduzida em juízo. 

Estas ações, denominadas dúplices e originadas do Direito Romano, foram mencionadas nas Institutas de GAIO[6], no século II d.C. Os romanos caracterizavam como ações tipicamente dúplices as ações possessórias, especialmente os interditos utrubi[7] e uti possidetis. 

Em nosso direito, podem ser citadas, dentre outras, as ações demarcatórias, de prestação de contas e de divisão de terras particulares, onde a sentença concede o bem da vida a qualquer das partes, até mesmo ao réu, sem que necessariamente este tenha formulado pedido de tutela jurisdicional contraposto ao do autor. É que pela própria natureza do direito material deduzido em juízo, a conclusão lógica é a de que, se o autor não é titular do direito material discutido na lide, esta titularidade somente pode ser conferida ao réu, e neste sentido é concedida a tutela jurisdicional. ARAKEN DE ASSIS[8] comenta com propriedade este assunto: 

“Do prisma material, é dúplice a ação, provocando o iudicium duplex, na qual a contestação do réu já basta à obtenção do bem da vida. Em geral, o autor pede e o réu somente impede; na actio duplex, o ato de impedir (contestação) já expressa um pedido contrário. Tal característica deriva do direito material posto em causa (rectius: mérito, pretensão processual ou objeto litigioso)”. 

3. Ações Dúplices E Pedido Contraposto 

Os institutos denominados contraposição de pedido e ação dúplice têm naturezas jurídicas consideravelmente diversas, muito embora almejem um mesmo objetivo: proporcionar o bem da vida ao réu, por meio da mesma demanda proposta pelo autor. 

Denomina-se pedido contraposto aquele formulado pelo réu, não por meio de peça autônoma, como ocorre com a reconvenção, mas sim, no bojo da própria contestação, desde que fundado nos mesmos fatos que ensejaram a propositura da ação[9]. Tem sua criação jurídica fundamentada na necessidade de se atribuir aos processos que tramitavam perante os juizados das pequenas causas[10] uma maior celeridade, tendo a Lei n° 9.099/95, em seu artigo 17, confirmado a aplicação deste instituto nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, nos seguintes termos: 

“Art. 17. Comparecendo inicialmente ambas as partes, instaurar-se-á, desde logo, a sessão de conciliação, dispensados o registro prévio de pedido e a citação. 

Parágrafo único. Havendo pedidos contrapostos, poderá ser dispensada a contestação formal e ambos serão apreciados na mesma sentença.” 

Observe-se que a formulação de pedido contraposto dispensa até mesmo o exercício do direito de defesa. Isto porque sua elaboração, em razão da contraposição lógica dos pedidos, já contém elementos hábeis a impedir o reconhecimento do direito do autor. Neste aspecto se diferencia substancialmente da reconvenção. 

Nas palavras de FÁTIMA NANCY ANDRIGHI[11]: 

“O pedido contraposto é reconvenção deformalizada, porque é formulada no texto da contestação sem formalismos, contudo com área de abrangência menor do que a reconvenção porque o pedido a ser formulado pelo réu deve, necessariamente ser fundado nos mesmos fatos referidos na inicial e, em se tratando de reconvenção, a conexidade exigida pode ser com a ação principal ou com um dos fundamentos”. 

JOEL DIAS FIGUERIA JÚNIOR e MAURICIO ANTONIO RIBEIRO LOPES[12] ensinam que o pedido contraposto foi criado “com o escopo de não ampliar demasiadamente o espectro do objeto da demanda e, desta forma, evitar o aumento da complexidade da causa, para não torná-la inviável aos fins previamente definidos por esta Lei e, sobretudo, delineados pela Constituição Federal, fixou-se neste dispositivo a proibição de o réu oferecer resposta do tipo reconvencional.” 

Ao elaborar o pedido contraposto, o réu estará exercendo verdadeiro direito de ação. Sob o aspecto processual este fato é de significante relevância, pois a apreciação do pedido contraposto não será obstada se decretada a carência da ação do autor, ou seja, a extinção da ação do autor não impedirá a apreciação do pedido requerido pelo réu, no que se diferencia da ação dúplice, onde o réu não exerce direito de ação, como visto no capítulo anterior, e o mero exercício do direito de defesa nenhum bem da vida poderá lhe atribuir em caso de carência da ação do autor, muito embora contenha pretensão de natureza mediata. 

Uma particularidade interessante diz respeito o pedido contraposto autorizado pela Lei 9.099/95. Em razão da redação dos seus artigos 17 e 31, pode-se afirmar que estariam contidos, nesta mesma norma legal, os institutos do pedido dúplice e do pedido contraposto, a um só tempo. Este entendimento decorre do fato de que o pedido contraposto, como já vimos, não está condicionado ao exercício do direito de defesa. Este fato é corroborado pelos termos do artigo 17 da mencionada Lei. No entanto, o artigo 31[13] fala de um direito que deve ser exercido na contestação, o que não se coaduna com aquele tratado no artigo anteriormente mencionado. 

JOSÉ CARLOS COELHO VASCONCELLOS JR[14]. é defensor deste entendimento: 

“A lei 9.099/95, além de instituir a figura do pedido contraposto em seu art. 17, acolheu também, no procedimento dos Juizados Especiais, o pedido dúplice (art. 31), na mesma forma que já era aplicado no procedimento sumário e em alguns ritos especais”. 

Porém, as ações dúplices, como visto no tópico anterior deste trabalho, têm esse caráter em decorrência das próprias peculiaridades do direito material deduzido em juízo, devendo-se rejeitar a idéia de que mera autorização legal para elaboração de pedido na contestação seria hábil a qualificar uma ação como ‘dúplice’. 

4. A Sentença Proferida Na Ação Dúplice E O Princípio Da Inércia Da Atividade Jurisdicional 

O artigo 2º do Código de Processo Civil é expresso ao determinar que “nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais.” 

Outra disposição, encontrada no artigo 128 do Código Processual delimita, neste mesmo sentido, a atuação do juiz: “O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.” 

Das disposições acima, deduz-se que o juiz não pode exercer a jurisdição sem que seja solicitado. O Judiciário somente atua sob provocação das partes (ne procedat judex ex officio). Esta provocação é feita pelo autor, na petição inicial. 

Assim, nos casos em que a lei autoriza a formulação de pedido contraposto na própria defesa, eventual decisão pela concessão do bem da vida ao réu estará, sempre, adstrita à utilização daquela faculdade prevista na lei, sem a qual o juiz não poderá concedê-lo, sob pena de afronta ao princípio da inércia da jurisdição. 

No caso das ações dúplices, não há que se entender a concessão do bem da vida ao réu como fato jurídico decorrente do exercício de um direito de ação, pois conforme definição tradicional, o direito de ação é o direito de exigir do Estado a tutela jurisdicional de natureza subjetiva, pública, abstrata e genérica, e assim não pode ser considerado o exercício da defesa, nem mesmo quando esta defesa trás em si a possibilidade de concessão do bem da vida disputado na ação. 

Assim, na ação tipicamente dúplice, ao se conceder o bem da vida ao réu não se está violando o princípio da inércia da atividade jurisdicional, vez que a tutela disputada no processo é inerente à própria natureza do direito material discutido na lide, e não decorrente de relação de direito processual. A pretensão encontra-se intrinsecamente inserida no objeto da demanda desde antes da contestação apresentada pelo réu e, por esta razão, o juiz não extrapola os limites da lide quando concede a ele o bem da vida disputado na ação. 

5. Análise Da Natureza Jurídica De Algumas Ações Consideradas Dúplices 

Algumas ações são consideradas “dúplices” pela doutrina e jurisprudência, sem que, necessariamente, esta qualificação esteja relacionada à natureza do direito material debatido em juízo. Neste tópico, trataremos de natureza jurídica de algumas ações assim consideradas pela doutrina. 

5.1 Ação de alimentos 

Foi visto que, pela sistemática de nosso direito processual, o pedido do autor define os parâmetros da lide. E estando o juiz vinculado à pretensão objetivada na inicial, não poderá exceder estes limites, sob pena de nulidade da sentença, a qual será configurada extra ou ultra petita.[15] Assim, o autor é detentor do “direito de pedir” um bem da vida ao Juízo, estabelecendo os limites da demanda, enquanto que ao réu cabe, tão somente, resistir à pretensão, não lhe sendo outorgado o poder de pleitear a modificação da uma situação jurídica. Foi visto, também, que há exceções a esta regra. E uma delas é tratada no artigo 24 da Lei 5.478, de 25 de julho de 1968, a Lei de Alimentos. 

Transcreve-se a norma mencionada: 

“Art. 24. A parte responsável pelo sustento da família, e que deixar a residência comum por motivo, que não necessitará declarar, poderá tomar a iniciativa de comunicar ao juízo os rendimentos de que dispõe e de pedir a citação do credor, para comparecer à audiência de conciliação e julgamento destinada à fixação dos alimentos a que está obrigado”. 

O réu, ao contrário da tradicional regra ditada pela Teoria Geral do Processo, não apenas resistirá à pretensão, mas poderá, também, pleitear um bem da vida, consistente na majoração do valor pretendido pelo autor. Ou seja, poderá estender os limites da lide. Assim, não estará, o juiz, adstrito aos valores pleiteados pelo autor-devedor, podendo ser fixada quantia inferior ou superior àquela pleiteada na inicial. Esta elasticidade dos limites, bem como a bilateralidade do interesse processual da lide, configura a natureza dúplice desta demanda. Cita-se, como exemplo deste entendimento, ementa de julgado proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: 

“ALIMENTOS - Provisórios - Ação de oferta do devedor - Fixação em quantia superior à oferecida - Admissibilidade - Ação dúplice – Decisão "ultra petita" não caracterizada - Inteligência do artigo 24 da Lei n. 5.478/68 - Recurso provido JTJ 228/164”. 

Sendo a bilateralidade no interesse processual da demanda a característica mais marcante das ações dúplices, não resta dúvidas que assim pode ser considerada a ação de alimentos. 

5.2 Ação de consignação em pagamento 

O artigo 899 do Código de Processo Civil assim dispõe: 

“Quando na contestação o réu alegar que o depósito não é integral, é lícito ao autor completá-lo, dentro em dez (10) dias, salvo se corresponder a prestação, cujo inadimplemento acarrete a rescisão do contrato. 

§ 1º Alegada a insuficiência do depósito, poderá o réu levantar, desde logo, a quantia ou a coisa depositada, com a conseqüente liberação parcial do autor, prosseguindo o processo quanto à parcela controvertida. 

§ 2º A sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre que possível, o montante devido, e, neste caso, valerá como título executivo, facultando ao credor promover-lhe a execução nos mesmos autos”. 

Observa-se que o dispositivo legal inserido no § 2º permite ao credor, réu na ação consignatória, a execução da sentença que concluir pela insuficiência do depósito. Esta execução independe da interposição de reconvenção. Trata-se, assim, de uma exceção à regra da Teoria Geral do Processo, a qual determina a concessão do bem da vida apenas ao autor da demanda, cabendo ao réu, tão somente, a resistência. 

Entendendo como dúplice a ação consignatória, cita-se julgado proferido pela 8ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: 

“CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO - Ação julgada improcedente - Recusa da ré considerada justa, por terem os valores oferecidos sido apurados de forma diversa daquela prevista em contrato - Modificações introduzidas por meio de parágrafos ao artigo 899 do Código de Processo Civil, que conferiram à consignatória, nessa hipótese, o efeito de ação dúplice - Admissibilidade de condenação do autor ao pagamento da diferença, independentemente do manejo de reconvenção - Apelação improvida - Recusa adesivo provido”[16]. 

5.3 Ação de prestação de contas 

O sujeito passivo da ação de prestação de contas será, sempre, a pessoa que administre bens ou negócios e o dever jurídico de prestar contas pode ser tanto do credor quanto do devedor. Este é o fato configurador do caráter dúplice desta ação: pode ela ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las (ação de exigir contas) ou por aquele que tem obrigação de prestá-las (ação de dar contas), a qual tem sua previsão no artigo 915 do Código Processual Civil e "pressupõe divergência entre as partes, seja quanto à existência mesma da obrigação de dar contas, seja sobre o estado delas, vale dizer, sobre a existência, o sentido ou o montante do saldo"[17]. Há, pela própria natureza jurídica da demanda, um bem da vida buscado tanto pelo autor quanto pelo réu, que seria, eventualmente, a diferença entre as quantias apresentadas e o valor reconhecido na sentença. E, nos termos do artigo 918 do Código Processual, “o saldo credor declarado na sentença poderá ser cobrado em execução forçada”[18], ressaltando THEOTÔNIO NEGRÃO que tanto o autor, quanto pelo réu, terão legitimidade para esta cobrança, porque a ação de prestação de contas tem natureza dúplice[19]. 

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[20] também já proferiu julgado entendendo dúplices as ações de prestação de contas, conforme ementa: 

“PRESTAÇÃO DE CONTAS - Direito de exigi-las - Contestação do réu - Saldo credor apurado em favor do autor, relativo a despesas que a este cabia prestar contas - Ação do artigo 916 do Código de Processo Civil não ajuizada - Irrelevância - Caráter dúplice da ação e observância dos princípios da instrumentalidade do processo e da economia processual - Saldo reconhecido - Recurso provido para esse fim”. 

5.4 As ações possessórias 

O artigo 922 do Código Processual Civil dispõe que: 

“É lícito ao réu, na contestação, alegando que foi ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor”. 

Estando a concessão da proteção possessória condicionada a pedido expresso da parte, e não sendo materialmente impossível a prolação de sentença sem concessão do bem da vida ao réu, há de se concluir que este dispositivo não tem o condão de configurar a ação possessória uma ação dúplice: esta, como já visto, deriva da especial natureza da relação jurídica de direito material que envolve as partes. 

O que fez o legislador foi possibilitar a formulação de pedido contraposto nas ações possessórias. Não havendo a formulação deste pedido, de forma expressa, o bem da vida perseguido na demanda não poderá ser concedido ao réu. Neste sentido cita-se julgado proferido em análogo. 

“POSSESSÓRlA - Juízo dúplice - Necessidade de manifestação de vontade da parte "ex adversa" - Inexistência de pedido de tutela jurisdicional contraposto ao do autor - Declaração de improcedência da ação que não define como coisa julgada a posse do réu sobre a área litigiosa - Embargos de declaração rejeitado. (RT 615/187) 

Portanto, em que pese parte da doutrina e da jurisprudência considerar dúplice este tipo de ação, fato é que, se a concessão de proteção possessória depende de pedido expresso do réu, trata-se de ação com possibilidade de pedido contraposto, mas não de natureza dúplice. 

5.5 Divisão de terras particulares 

A divisão de terras particulares já era considerada dúplice do direito romano, não perdendo esta característica no direito moderno. 

A matéria é tratada nos artigos 946, inciso II, e 967 a 981, do Código Processual Civil. 

O objetivo da ação divisória é a partilha de um imóvel comum e especificamente o artigo 974 do Código Processual Civil dispõe que: 

“Art. 974 - É lícito aos confinantes do imóvel dividendo demandar a restituição dos terrenos que lhes tenham sido usurpados. 

§ 1º - Serão citados para a ação todos os condôminos, se ainda não transitou em julgado a sentença homologatória da divisão; e todos os quinhoeiros dos terrenos vindicados, se proposta posteriormente. 

§ 2º - Neste último caso terão os quinhoeiros o direito, pela mesma sentença que os obrigar à restituição, a haver dos outros condôminos do processo divisório, ou de seus sucessores a título universal, a composição pecuniária proporcional ao desfalque sofrido”. 

Não há necessidade de pedido expresso do quinhoeiro para recebimento do valor correspondente ao desfalque sofrido. Será a aplicação de um direito material resultante da divisão, pelo que inquestionável seu caráter dúplice. Assim entende a jurisprudência: 

“DIVISÃO - Nulidade - Inocorrência - Pedido hábil e prova técnica determinada após o reconhecimento de legitimidade das partes - Natureza dúplice da ação divisória que, em 2ª fase, impõe limites à comunhão pro indiviso, atribuindo as propriedades pertinentes aos interessados - Sentença mantida - Recurso não provido”[21]. 

5.6 Ação renovatória de locação 

Estes são os termos do § 4º do artigo 72, da Lei 8.245 de 18.10.1991 (Lei da Locação): 

“Na contestação, o locador, ou sublocador, poderá pedir, ainda, a fixação de aluguel provisório, para vigorar a partir do primeiro mês do prazo do contrato a ser renovado, não excedente a oitenta por cento do pedido, desde que apresentados elementos hábeis para aferição do justo valor do aluguel”. 

Muito embora a lei possibilita a concessão de um bem da vida ao réu, dispensando a necessidade de propositura de ação ou reconvenção, o fato de exigir pedido expresso da parte, na contestação retira desta ação seu caráter dúplice. 

5.7 Ações de procedimento sumário 

O § 1º do artigo 278 do Código de Processo Civil autoriza a formulação de pedido pelo réu em contestação, nos seguintes termos: 

“É lícito ao réu, na contestação, formular pedido em seu favor, desde que fundado nos mesmos fatos referidos na inicial”. 

O intuito na norma é evitar a utilização da reconvenção e a criação de uma outra lide que verse sobre os mesmos fatos[22]. 

Muito embora haja autorização legal para que o réu, caso queira, formule pedido em seu favor, a concessão do bem da vida ao réu não decorre naturalmente em razão do direito material discutido da ação, mas, sim, de um artifício processual constituído no intuito de dar celeridade ao feito. Trata-se, nitidamente, da possibilidade de elaboração de pedido contraposto, no obstante entendimento de parte da doutrina em sentido contrário. 

Defendendo o entendimento de que não se trata, a ação de procedimento sumário, de ação dúplice, cita-se entendimento de ANTONIO RAPHAEL SILVA SALVADOR[23], para o qual “não se trata de dizer que o procedimento sumário pressupõe ações dúplices, pois as ações aqui previstas não levam forçosamente ao reconhecimento de que o bem da vida pertence ao réu, só porque procedente sua contestação. A contestação, em casos previstos no art. 275, pode afastar o direito do autor, sem levar forçosamente a que se diga que o bem da vida discutido é do réu”. 

Conforme já exposto neste trabalho, as ações dúplices são assim consideradas em razão do direito material, e não processual, pelo que o artigo 278, § 1º, trataria da faculdade de elaboração de pedido contraposto, não decorrendo de uma conseqüência lógica da demanda. 

6. As Inovações Trazidas Pela Lei 11.232/2005 E A Possibilidade Da Demanda Adqurir Natureza Dúplice 

As regras previstas na lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005, mais especificamente as diretrizes traçadas pelo artigo 475-N do Código de Processo Civil, redefiniram o conceito de título executivo judicial. 

A partir da vigência deste dispositivo, passa a ser reconhecida como título executivo judicial “a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia” (inciso I). 

Na lição de ARLETE INÊS AURELLI[24], “da redação anterior constava que somente a sentença condenatória seria título executivo, enquanto a nova redação do art. 475-N encarta nesse rol a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia”. Desta forma, houve uma abertura para que uma sentença não condenatória, qualquer que seja sua natureza, seja reconhecida como título executivo hábil a instruir execuão por quantia certa. 

A reforma processual foi motivada pela necessidade de solucionar, ou ao menos amenizar, um dos maiores problemas que assola os jurisdicionados: a demora do processo. Assim, as mudanças trazidas pela Lei nº 11.232/2005 romperam com o sistema processual clássico no intuito de dar aos jurisdicionados maior efetividade e presteza. 

Diante deste novo cenário jurídico, foi criada a possibilidade de uma ação adquirir natureza dúplice em razão da possibilidade do provimento jurisdicional declarar a existência de um bem da vida ao réu. Cita-se, como exemplo, a demanda que tenha por objeto a revisão de cláusula contratual que estipula juros abusivos, onde seja proferida sentença de procedência da demanda, redefinindo a forma de cálculo do débito com a exclusão dos juros excessivos e declaração do saldo devedor do autor. Esta decisão servirá, nos exatos termos do dispositivo em vigor, de título executivo judicial ao réu, o qual estará autorizado a exigir, no mesmo processo, o cumprimento de sentença. A exigência de que réu-credor proponha, nestes casos, ação condenatória fere os princípios da economia e celeridade processual. 

Com relação à possibilidade de decisão de natureza declaratória ter eficácia executiva, antes mesmo da vigência da Lei 11.232/05 o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA[25] já havia assim decido: 

“Tem eficácia executiva a sentença declaratória que traz definição integral da norma jurídica individualizada. Não há razão alguma, lógica ou jurídica, para submetê-la, antes da execução, a um segundo juízo de certificação, até porque a nova sentença não poderia chegar a resultado diferente do da anterior, sob pena de comprometimento da garantia da coisa julgada assegurada constitucionalmente”. 

Não resta dúvida tratar-se, nesta hipótese, de uma situação em que a demanda pode assumir uma natureza dúplice, nos casos em que a sentença reconhecer um bem da vida em favor do réu, independentemente de reconvenção ou pedido contraposto deste. Basta a sentença declarar a existência e valor do débito. 

7. Conclusão 

Pelo exposto neste trabalho, conclui-se que o caráter dúplice de uma ação é atribuído em razão da natureza jurídica de direito material posto em juízo, e não estipulada por normas processuais. 

Muito embora alguns doutrinadores entendam desnecessário maior estudo sobre a distinção entre as ações dúplice e o pedido contraposto, fato é que tal se faz indispensável para evitar a equivocada conclusão de que seria possível ao juiz, nas ações com possibilidade de pedido contraposto, conceder o bem da vida ao réu que não formulou pedido expresso neste sentido, situação esta possível somente nas ações dúplices. 

Um ponto diferenciador entre a ação dúplice e as formas processuais de contra-ataque do réu na própria contestação – pedido contraposto – é a necessidade, neste último caso, de pedido expresso na defesa, sendo que nas ações dúplices a sentença de improcedência automaticamente concederá ao réu o bem da vida disputado. 

Com a introdução da lei 11.232/2005 em nosso ordenamento, toda decisão que declarar um crédito é título executivo judicial, ainda que em benefício do réu que nenhum pedido formulou, o que abre possibilidade para que uma demanda adquira a natureza dúplice em razão do reconhecimento de um crédito ao réu na sentença.
 

8. Bibliografia 
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NERY JÚNIOR, Nelson. Atualidades sobre o processo civil. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. 

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[1] Distingue-se o pedido imediato do pedido mediato. Isto porque, na inicial, o autor reclama determinado tipo de tutela jurisdicional (pedido imediato) com vistas à obtenção de um bem da vida, que afirma lhe estar assegurado pelo direito, que é o pedido mediato. 

[2] In Curso de Direito Processual Civil, volume I, 38ª edição, Rio de Janeiro: Forense, p. 59. 

[3] A reconvenção não foi objeto de estudo neste trabalho, por tratar-se de instituto distinto da ação dúplice e do pedido contraposto por exigir a propositura de ação pelo réu, nos moldes do artigo 282 do CPC, a qual trâmita dentro da ação principal. O foco do presente trabalho são as formas de defesa que proporcionam ao réu o bem da vida discutido na ação, independentemente da propositura de ação. 

[4] Ob. cit., p. 60. 

[5] A saber: contestação, exceção e reconvenção. 

[6] Institutas de Gaio (Gai Institutionum Commentarii Quattuor) é um livro de escola, descoberto em 1816 pelo historiador Niebuhr, num palimpseto do século V ou VI d.C., da biblioteca da Catedral de Verona. 

[7] Correspondente à ação de manutenção de posse prevista em nosso ordenamento jurídico atual. 

[8] Procedimento sumário. São Paulo: Malheiros, 1996.o, p. 161. 

[9] Interessante questão é levantada por CALMON DE PASSOS. A locução “desde que fundado nos mesmos fatos”, utilizada pelo legislador também na redação do § 1º do artigo 278 do CPC , não se mostra apropriada, pois não se propõe uma demanda baseada em fatos, mas sim, com fundamento em fatos que comportam tipificação como causa de pedir. Não há como o réu apresentar pedido contraposto, com base no mesmo ‘fato’ apresentado pelo autor, pois, se assim fosse, das duas uma: ou aquele fato “comporta tipificação que lhe foi dada e a conseqüência formalizada no pedido, hipótese em que a ação será procedente” ou, se aquele “fato-título que serviu de fundamento à pretensão do autor não for verdadeiro, ele não será verdadeiro para autor e réu, sendo impensável invoque o réu este fato para postular algo em seu favor, salvo a improcedência do pedido”. (Comentários, vol. III, p. 140) 

[10] Procedimento instaurado pela Lei n° 7.244 de 7 de novembro de 1984. 

[11] II Seminário Nacional: obrigações, negócios e contratos – administrativos, civis e comerciais. Disponível na página arquivo http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/1639/1/II_Semin%C3%A1rio_Nacional_Obriga%C3%A7%C3%B5es.pdf., em 28.06.2006. 

[12] In Comentários à lei dos juizados especiais cíveis e criminais, 3ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 292. 

[13] “Art. 31. Não se admitirá reconvenção. É lícito ao réu, na contestação, formular pedido em seu favor , nos limites do art. 3º desta lei, desde que fundado nos mesmos fatos que constituem objeto da controvérsia.” 

[14] Ob. cit., pág cit. 

[15] Cabe aqui ressaltar que a sentença citra-petita não é nula, apenas passível de complemento quanto à parte omitida na sentença. 

[16] Apelação Cível n. 48.310-4 - São Paulo - 8ª Câmara de Direito Privado - Relator: Cesar Lacerda - 25.11.98 - V.U. 

[17] Adroaldo Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 332. 

[18] É nula a sentença que não declara, na ação de prestação de contas, o saldo credor, em favor do autor ou do réu (RT 695/159). 

[19] In Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 36ª ed., São Paulo: Saraiva. 2004, p. 930 (comentário ao artigo 918, nota 2). 

[20] JTJ 164/146. 

[21] Apelação Cível n. 229.966-1 - São Paulo - 6ª Câmara Civil - Relator: Munhoz Soares - 31.08.95 - M.V 

[22] Sobre estes termos, vide nota nº 09. 

[23] In RT 743/96. 

[24] In Aspectos Polêmicos da Nova Execução de Títulos Judiciais, Coordenação de Tereza Arruda Alvim Wambier, São Paulo:RT, 2001, pág. 28. 

[25] 1ª Turma, REsp 588.202-PR, rel. Min. Teori Albino Zavaski, j. 10.02.2002.
Atividade do autor:
Pós graduada em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Pós graduanda em Administração Legal pela Fundação Getúlio Vargas/SP Advogada integrante do Escritório L.O. Baptista Advogados

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