CONTRA-ATAQUE DO RÉU: INDEVIDA CONFUSÃO ENTRE AS DIFERENTES ESPÉCIES
Daniel Amorim Assumpção
Neves - Mestre e doutorando em
Processo Civil pela Universidade de São Paulo
1 – Introdução
A estrutura
tradicional da ação de conhecimento faz com que o autor, responsável
pela propositura da
demanda, realize pedido em face do réu que, ao se defender –
por meio da
contestação – não faz propriamente um pedido para obtenção de
qualquer bem da vida,
limitando-se a “pedir” a improcedência da ação. Enquanto o
autor formula pedido
de caráter material (obter a condenação a pagar, a entregar
determinada coisa,
declarar a existência de uma relação jurídica, desconstituir um
negócio jurídico,
etc.), buscando uma modificação no mundo empírico, o “pedido”
do réu na contestação
é a manutenção do status quo por
meio da improcedência
do pedido formulado na
petição inicial.
É possível até mesmo
dizer que o autor realiza o pedido de forma completa, tanto
em seu aspecto
processual (pedido imediato) como no aspecto material (pedido
mediato). Já o réu,
por sua vez, também realiza “pedido” em sua contestação, mas
um pedido incompleto,
tão somente no aspecto imediato, já que em sua defesa
sempre demandará a
prolação de uma sentença declaratória negativa, o que irá
ocorrer se comprovar que
o autor não tem os requisitos mínimos para exercer o
direito de ação ou
ainda quando demonstrar não existir o direito alegado.
Não seria incorreto,
portanto, ao menos como regra geral, afirmar que o réu não
faz pedido mediato em
sua contestação. Por vezes, entretanto, a própria lei ou
ainda a natureza da
ação, permite ao réu a formulação de pedido em face do autor
não estritamente em
sentido processual, mas objetivando também a obtenção de
um bem da vida (que
tanto pode ser o próprio objeto do pedido do autor como
outro qualquer). Tal
admissibilidade de verdadeira inversão dos pólos da demanda
pode se verificar nos
três fenômenos objeto de nossas preocupações;
reconvenção, pedido
contraposto e ações dúplices. Apesar de pertencerem ao
mesmo gênero – contra-
ataque do réu – são espécies diferentes, embora a
doutrina não tenha se
preocupado firmemente com a definição da natureza
jurídica de cada um
deles e por conseqüência com sua diferenciação.1
O objetivo principal
do presente artigo é contribuir para o estudo das diferentes
espécies de
contra-ataque do réu previstas em nosso ordenamento processual
civil. Dentro desse
objetivo, tentar traçar nítidos caracteres diferenciadores entre
os institutos
analisados, já que em nosso entender a doutrina atualmente não dá a
devida importância na
diferenciação de tais fenômenos, o que se confirma com a
constante e indevida
confusão entre pedido contraposto e ações dúplices.
A simples busca da
apuração terminológica já seria razão suficiente para atribuir
ao assunto tratado
suma importância ao estudioso do direito. Já manifestamos de
forma retida nossa
preocupação com tal aspecto da ciência processual2,
preocupação essa que
vem de longe, conforme se pode constatar da exposição
de motivos do atual
Código de Processo Civil, quando o então Ministro Alfredo
Buzaid asseverou: “O
rigor da ciência jurídica depende substancialmente da
pureza da linguagem
não devendo designar com um nome comum institutos
diversos, nem institutos
iguais com nome diferentes”.
1 Tal
constatação já havia sido feita por JOEL DIAS FIGUEIRA JR., O novo procedimento
sumário, São Paulo, RT, 1996, p.
208, nota 57.
2 Preclusão pro iudicato e preclusão judicial no
processo civil brasileiro, no prelo, pp. 05-19.
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É importante frisar,
por outro lado, que essa não é nossa única e exclusiva
preocupação com o
presente trabalho, nos parecendo que a perfeita definição dos
institutos abordados
e, em especial, suas devidas particularidades, ensejam
significativos
reflexos práticos, de grande importância para a praxe forense. Daí
nossa disposição de
analisar também alguns aspectos polêmicos que surgem de
nossa disposição de
individualizar as diferentes espécies de contra-ataque do réu.
Ao final, algumas
ponderações de caráter conclusivo, que longe de pretenderem
colocar um ponto final
ao debate, mais se prestam a suscitar questões e provocar
uma reflexão daqueles
que nos honrarem com a leitura.
2 – A indevida confusão entre as formas de
contra-ataque do réu
Apesar do pouco
interesse demonstrado pela maioria da doutrina nacional no que
tange a exata
definição dos institutos objeto de nossas preocupações, é
plenamente possível
com os trabalhos já produzidos buscar uma exata
conceituação dessas
formas de contra-ataque do réu. Tal análise nos conduzirá a
conclusão de que,
apesar de espécies do mesmo gênero, há diferenças
relevantes a serem
ressaltadas entre elas, com importantes reflexos práticos.
3 – Diferenças entre reconvenção e pedido
contraposto
O artigo 315 do CPC
vem assim redigido: “O réu pode reconvir ao autor no mesmo
processo, toda vez que
a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o
fundamento da defesa”.
Estaremos em momento posterior analisando de maneira
mais detalhada tal
instituto, bastando-nos no momento apontar para a largueza
dos casos de
cabimento, que inclusive extrapolam o conceito legal de conexão,
expressamente indicado
no art. 103 do Código de Processo Civil.
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Prevista como uma das
respostas do réu no processo de conhecimento, a
reconvenção tem
natureza jurídica de ação, e não de defesa, que em nosso
entendimento fica
restrita à contestação3. Dessa forma, não se pode admitir, por
exemplo, que o juiz
numa ação com pedido condenatório, condene o autor a
alguma prestação em
face do réu (partes da ação originária), sem o expresso
pedido reconvencional,
sob pena de afronta ao princípio da inércia da jurisdição. O
mesmo se diga se a
ação tiver pedido meramente declaratório ou constitutivo.
Sem pedido mediato
expresso do réu – devendo esse seguir as regras
procedimentais
estabelecidas pelo diploma processual – não será possível a
proteção
jurisdicional, ainda que durante o trâmite da ação o juiz se convença da
existência de seu
direito.
É certo que se exclui
do acima defendido a condenação em honorários
advocatícios, que
inclusive nem mesmo necessita ser expressamente pedida.
Nesse caso,
entretanto, o juiz condena o autor a pagar determinada quantia ao
patrono do réu,
fugindo a hipótese, portanto, do interesse do assunto debatido.
Nesse tocante em nada
difere a reconvenção do chamado pedido contraposto do
procedimento sumário,
expressamente previsto no art. 278, § 1º, CPC: “É lícito ao
réu, na contestação,
formular pedido em seu favor, desde que fundado nos
mesmos fatos referidos
na inicial”. Cria-se, em nosso entender, um pedido de
natureza
reconvencional que não segue as formalidades necessárias previstas no
art. 315 do mesmo
estatuto legal, em especial o ingresso de uma nova ação
(reconvenção) para que
o pedido do réu possa ser acolhido. O pedido, entretanto,
deverá
obrigatoriamente ser elaborado de forma expressa pelo réu, já que o juiz,
mais uma vez em razão
do princípio da inércia da jurisdição, estará proibido de
conceder tutela de
ofício.
3 Em
nosso entendimento as exceções previstas pelo CPC não são propriamente defesas
contra o
autor, mas sim
espécies de resposta; a de incompetência relativa contra o Juízo e as de
suspeição
e de impedimento
contra o juiz.
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A natureza do pedido
contraposto é reconvencional, mas algumas diferenças
procedimentais e
quanto aos pressupostos específicos de cabimento possibilitam
o estudo dos
institutos em apartado. A mais nítida diferença entre as duas
espécies de
contra-ataque é justamente a necessidade de peça autônoma para a
reconvenção, o que já
não acontece com o pedido contraposto, pleiteado no
próprio corpo da contestação.
Essa diferença, que aparentemente não gera
qualquer reflexo
prático de maior importância – o que inclusive motiva alguns
doutrinadores a
propugnar pela generalização do pedido contraposto – determina
uma diferença
substancial entre a reconvenção e o contra-ataque previsto no
procedimento sumário:
enquanto no primeiro caso existe verdadeira autonomia do
pedido do réu, no
segundo o mesmo prende-se à continuação da ação principal,
com nítida
característica de acessoriedade.
A doutrina já
enfrentou o tema da autonomia da reconvenção com a devida
atenção, concluindo
com acerto que em razão de sua natureza de ação, a mesma
seguirá ainda que a
ação principal encontre seu fim prematuro por ausência de
uma das condições da
ação, de um dos pressupostos processuais negativos ou
ainda a ausência de um
dos pressupostos processuais positivos. Compare-se a
reconvenção a um filho
e a ação principal com sua mãe. Apesar de precisar da
ação principal para
nascer, após esse momento de pouca importância terá para
sua sobrevivência a
manutenção da mesma. Não há uma sem a outra, mas cada
qual, quando
existentes, guardam sua autonomia.
Apesar de ser ideal o
julgamento conjunto da ação principal e da reconvenção,
nem sempre isso é
possível, já que tanto uma quanto a outra pode ser extinta
prematuramente sem o
julgamento de mérito. Nesse caso, inclusive, surge
interessante questão
acerca do recurso cabível de tal decisão. A doutrina
majoritária entende
que se a reconvenção for extinta sem o julgamento de seu
mérito, a decisão será
interlocutória, cabendo contra ela o agravo de instrumento.
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Toma-se aqui a
definição de sentença prevista pelo art. 162 do CPC, que embora
bastante criticável
pelo seu manifesto caráter tautológico, determina que se o
processo não chegar ao
fim em razão do pronunciamento do juiz o mesmo não
será sentença. Como o
processo continuará em razão da manutenção da ação
principal, o
pronunciamento é dito corretamente como decisão interlocutória.
O mesmo ocorre se a
ação principal for extinta prematuramente, já que com a
reconvenção, o
processo continuará, sendo também essa decisão considerada
interlocutória,
cabível contra ela, portanto, o agravo de instrumento. Tudo decorre,
segundo corretas
lições de Cândido Rangel Dinamarco, da unidade do processo,
sendo que a extinção
da ação principal ou da reconvenção é meramente uma
diminuição do objeto
do processo, e não sua extinção. Idêntico pensamento se
aplica para explicar
porque a reconvenção não cria um novo processo, somente
alarga o objeto
daquele já existente em razão da ação principal.4
Já com relação ao
pedido contraposto, tal autonomia simplesmente não existe,
estando tal reação do
réu ligada de forma indissociável da ação principal. Se por
qualquer razão essa
for extinta, também chegará ao mesmo fim o pedido
contraposto, que em
razão da ausência de autonomia não tem como sobreviver
sem a existência da
ação principal. Ainda que regularmente formulado tal contraataque
do réu somente será
analisado em seu mérito quando o juiz também
ultrapassar na ação
principal a análise dos pressupostos processuais e condições
da ação.
4 Instituições de direito processual civil,
vol. III, São Paulo, Malheiros, 2001, pp. 511-512. O
professor paulista não
aceita o julgamento antecipado da lide se a reconvenção ou da ação
principal estiverem em
condições de julgamento de mérito imediato. No mesmo sentido JOSÉ
JOAQUIM CALMON DE
PASSOS, Comentários ao Código de
Processo Civil, vol. III, 8ª ed., Rio
de Janeiro, Forense,
2000, pp. 329-330 e sentido contrário JOEL DIAS FIGUEIRA JR.,
Comentários ao Código de Processo Civil,
vol. 4, tomo II, São Paulo, RT, 2002, p.p. 358-359.
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Outro importante
aspecto é a diferença entre os requisitos que devem ser
preenchidos para
possibilitar cada espécie de contra-ataque do réu, percebendose
que no caso do pedido
contraposto previsto para o procedimento sumário, há
uma limitação bem
maior do que aquela prevista para a reconvenção. O art. 315
do CPC fala em conexão
com a ação principal ou com o fundamento de defesa,
enquanto o art. 278, §
1º fala em identidade de fatos alegados na inicial.
Tendo a reconvenção
nítida natureza jurídica de ação, deve preencher todos os
genéricos requisitos
para o seu exercício (pressupostos processuais e condições
da ação), além
daqueles específicos trazidos pela norma supra referida; exigência
de conexão com a ação
principal ou com os fundamentos de defesa.
A primeira dificuldade
que surge da leitura do dispositivo legal é a nítida diferença
da conexão exigida
entre a reconvenção e a ação principal e a reconvenção e a
contestação. Enquanto
na primeira poder-se-ia em tese aplicar o conceito do art.
103 do CPC (mesma
causa de pedir ou mesmo pedido), com relação aos
fundamentos de defesa
tal aplicação é impossível, já que os fundamentos da
defesa certamente não
se confundem com o objeto da mesma, sendo nítida a
insuficiência da
definição legislada de conexão para esse caso (como se admitir
mesma causa de pedir
ou mesmo pedido entre uma ação reconvencional e uma
contestação?!).
A solução mais
consentânea com o espírito do legislador para a aplicação da
norma é o afastamento
da definição clássica de conexão, entendendo-se que a
permissão de ingresso
da reconvenção baseada nesse requisito dar-se-á sempre
que o réu produzir
defesa de mérito indireta. Essa espécie de defesa, como é
cediço, introduz no
processo novos fatos – extintivos, modificativos e restritivos do
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direito do autor – e a
justificativa do pedido reconvencional estaria fundada
justamente nesses
novos dados apresentados na contestação.5
Já no que diz respeito
à conexão com a ação principal, percebe-se atualmente
uma interpretação
bastante extensiva de tal fenômeno, na tentativa de permitir-se
em alguns casos a
reconvenção, ainda quando uma análise mais detida da
situação concreta
demonstra não haver identidade nem da causa de pedir e nem
do pedido. Ainda mais
clara fica tal situação quando dividimos o pedido em
mediato e imediato e a
causa de pedir em próxima e remota.
A doutrina de fato
distorce o quanto pode o conceito de conexão, flexibilizando-o
ao máximo para
permitir a reconvenção em casos onde não há propriamente esse
fenônemo, ao menos se
aplicada ao caso concreto a conceituação prevista no art.
103 do CPC. Para
alguns a igualdade não necessitaria ser absoluta, bastando
para a possibilidade
de conexão em caso de reconvenção que quaisquer dos
elementos da causa de
pedir (próxima ou remota) sejam iguais.6 Também
a
identidade de apenas
uma das questões da lide seria suficiente a permitir a
reconvenção7. A
jurisprudência fala em vínculo, ainda que tênue, existente entre
ação principal e
reconvenção.8
Em primoroso trabalho
sobre a conexidade na reconvenção, José Carlos Barbosa
Moreira já havia
percebido a verdadeira “ginástica” que alguns doutrinadores se
viam obrigados a
realizar para tenta encaixar alguns casos passíveis de
5 Nesse
sentido LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART, Manual do
processo de conhecimento, op. cit., p.
172 e JOSÉ JOAQUIM CALMON DE PASSOS,
Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit.,
pp. 311-312.
6 Nesse
sentido LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART, Manual do
processo de conhecimento, op. cit., p.
172: “A conexão exigida para a reconvenção satisfaz-se
com o liame
estabelecido entre a causa de pedir próxima ou remota, não sendo necessário que
todo o fundamento da
ação seja também o da reconvenção.”.
7 JOEL
DIAS FIGUEIRA JR., Comentários ao Código de
Processo Civil, op. cit., p.
330.
8 Cfr.
THEOTÔNIO NEGRÃO, Código de Processo Civil e
legislação processual em vigor, 34ª
ed., São Paulo,
Saraiva, 2002, p. 398, art. 315, 7.
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reconvenção na
definição de conexão prevista pelo Código. Nesse trabalho o
jurista carioca aponta
para a impossibilidade da aplicação ao caso da reconvenção
da definição de
conexão existente no art. 103, CPC. Afirma que o próprio código
utiliza a palavra
conexão muitas vezes em sentido divorciado daquele previsto no
artigo acima citado,
sendo lícito, portanto, supor que o mesmo foi feito no art. 315
do estatuto processual9.
Essa visão, a nosso
ver a única que explicaria que conexão o legislador pretendeu
enxergar entre os “fundamentos
da defesa e da reconvenção”, permite uma
definição mais ampla
do conceito de conexão como pressuposto de cabimento da
reconvenção,
deixando-se de lado aquele escolhido pelo legislador e trazido
expressamente ao
ordenamento pelo art. 103 do CPC. Percebeu Barbosa Moreira
com a habitual
acuidade, que tal entendimento daria a reconvenção a abrangência
pretendida pela lei e
pelos operadores do direito.
O abandono da
aplicação do conceito de conexão conforme previsto no art. 103,
CPC, embora salutar e
saudado como necessário pela melhor doutrina, exige que
os operadores tracem
novos contornos aos requisitos de cabimento da
reconvenção, sob pena
de equivocada conclusão de que ao deixar de aplicar a
definição prevista no
art. 103, estar-se-ia propugnando pela ilimitada propositura
da reconvenção. Em
primeiro lugar nos parece óbvio que verificado no caso
concreto a “conexão
legal”, com duas ações com o mesmo pedido ou a mesma
causa de pedir,
inegável o cabimento da reconvenção. A obviedade da conclusão,
dentro da concepção de
quem pode mais pode menos, não exige comentários
mais extensos.
Passaremos a análise de outras situações, que apesar de não
abrangidas pela
previsão legal de conexão, permitem ao réu o ingresso da
reconvenção.
9 JOSPE
CARLOS BARBOSA MOREIRA, A
conexão de causas como pressuposto da
reconvenção, São Paulo, Saraiva, 1979,
pp. 312-319.
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Uma segunda hipótese
de cabimento de reconvenção é aquela situação de
“comunhão ou
entrelaçamento de questões relevantes, com aproveitamento da
atividade instrutória,
indispensáveis ao respectivo deslinde, para a formação do
convencimento judicial
em ambas as causas”10. Aplica-se nesse caso o princípio
da economia
processual, evitando-se a existência de duas ações de forma
absolutamente
desligadas que tenham o mesmo conjunto probatório,
aproveitando-se o juiz
de um só conjunto probatório para o julgamento de ambas
simultaneamente.
Por fim, uma terceira
hipótese, também lembrada por Barbosa Moreira, a
permissão do ingresso
da reconvenção como forma de evitar julgamentos
contraditórios, fonte
permanente de desprestígio do Poder Judiciário. A previsão
do art. 318, CPC, que
determina que ação principal e reconvenção sejam julgadas
por uma mesma
sentença, obviamente em capítulos diversos, impede o
julgamento
contraditório, já que o mesmo juiz, diante do mesmo conjunto
probatório, analisará
e decidirá simultaneamente as duas pretensões.
Definidos os
requisitos específicos de cabimento da reconvenção, passemos a
análise do pedido
contraposto previsto no art. 278, § 1º, CPC. A redação de tal
artigo não deixa
qualquer dúvida de que o pedido contraposto é possível em
situações bem mais
restritas que a reconvenção, já que é exigida a identidade de
fatos narrados na
petição inicial. Essa foi uma opção deliberada do legislador,
determinando a
absoluta identidade entre a causa de pedir remota e o contrapedido,
justamente para evitar
uma demasiada ampliação objetiva do processo, o
10 Cfr.
JOSPE CARLOS BARBOSA MOREIRA, A conexão de causas como pressuposto da
reconvenção, op. cit., p. 164. No mesmo sentido CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Instituições
de direito processual civil, op. cit., p.
500, ao falar em “convicção única sobre os fundamentos de
ambas”.
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que poderia sacrificar
a simplicidade e rapidez no julgamento que se busca com o
procedimento sumário.11
Além dessa limitação,
existe também uma de caráter procedimental, já que o
pedido contraposto
somente será cabível quando puder seguir o rito sumário. O
contra-ataque do réu,
nesse caso, deve estar adequado ao valor e à matéria, nos
termos do art. 275,
incisos. I e II.12
4- Pedido contraposto e ação dúplice
Estabelecidas as
diferenças entre reconvenção e pedido contraposto, passemos a
análise do ponto mais
problemático de nossas preocupações; a indevida confusão
que comumente se faz
entre pedido contraposto (aqui entendido como a
permissão do réu fazer
pedido mediato na própria contestação) e ação dúplice.
Inicialmente é de suma
importância definir a ação dúplice, já que grande parte da
doutrina afirma que o
procedimento sumário teria adquirido tal natureza com a
previsão de
possibilidade de pedido do réu em face do autor na própria
contestação. Aliás,
parece ser corrente na doutrina a idéia que essa circunstância
seja apta a
caracterizar a ação como dúplice. Nesse sentido encontramos as
lições de Cândido
Rangel Dinamarco13, Athos Gusmão Carneiro14 e
Gilson
Delgado Miranda, para
quem “reforça a impossibilidade da reconvenção o caráter
11 Nesse
sentido ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Do rito sumário na reforma do CPC, 2ª ed., São
Paulo, Saraiva, 1997,
p. 62 e ARAKEN DE ASSIS, Procedimento sumário, São Paulo, Malheiros,
1996, p. 94.
12 Cfr. O novo procedimento sumário, op. cit., p.
207. Reconhecendo expressamente a natureza
de reconvenção ao
pedido contraposto as lições de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, A reforma
do Código de Processo Civil, 4ª
ed., São Paulo, Malheiros, 1998, p. 253, LUIZ GUILHERME
MARINONI e SÉRGIO CRUZ
ARENHART, Manual do processo de conhecimento, 2ª
ed., São
Paulo, RT, 2003, p.
169 e SÉRGIO BERMUDES, A
reforma do Código de Processo Civil, 2ª ed.,
São Paulo, Saraiva,
1996, p. 46.
13 Instituições de direito processual civil, op. cit., p.
503.
14 Do rito sumário na reforma do CPC, op. cit., p.
60.
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dúplice das ações
processadas pelo rito sumário”.15 Tal conclusão não nos parece
correta.
É preciso antes de se
criticar o posicionamento dos doutrinadores acima citados,
definir-se a espécie
de ação dúplice a que se está referindo, já que na visão de
tais estudiosos as
mesmas podem ser naturais ou criadas de forma artificial pela
lei - criação essa,
como veremos, inadmissível -, mesmo que sua natureza não
leve a tal
duplicidade. A premissa adotada, ao nosso ver, é absolutamente
equivocada.
Explica-se. Para se compreender a natureza das ações dúplices é
necessário analisar a
relação jurídica de direito material donde surgiu o conflito de
interesses a ser resolvido
no processo. Em tal análise, invariavelmente se definem
os pólos da demanda a
serem preenchidos pelos sujeitos de tal relação,
pressupondo-se os
pedidos que poderão ser formulados. Assim, verificada a lide,
sabe-se exatamente
qual o sujeito que ingressaria com eventual demanda
pleiteando determinado
pedido e quem seria o futuro réu.
Na exata visão de
Adroaldo Furtado Fabrício, “muito excepcionalmente, inexiste
essa predeterminação
das legitimações: a situação jurídica é tal que qualquer dos
sujeitos pode ajuizar
a ação em face do outro ou dos outros. Tal ocorre nos juízos
demarcatórios e
divisórios: não há, rigorosamente, autores e réus; qualquer dos
confinantes ou
comunheiros poderia ter tomado a iniciativa. Se há dois sujeitos da
relação jurídico-material
e qualquer deles pode propor a mesma ação contra o
outro, essa ação é
dúplice”.16
Compartilhando de tal
entendimento Araken de Assis afirma que “do prisma
material, é dúplice a
ação, provocando o iudicium duplex, na
qual a contestação
15 Cfr. Procedimento Sumário, São
Paulo, RT, 2000, p. 176.
16 Cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, 8ª
ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 414.
JOEL DIAS FIGUEIRA
JR., O novo procedimento sumário, op. cit., p. 206, afirma que a ação
dúplice é “concebida
como sendo aquela em que ambos os litigantes figuram concomitantemente
no pólo ativo e
passivo da demanda, em face da articulação de pretensões antagônicas.”
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do réu já basta à
obtenção do bem da vida. Em geral, o autor pede e o réu
somente impede; na actio duplex, o
ato de impedir (contestação) já expressa um
pedido contrário. Tal
característica deriva do direito material posto em causa
(rectius:
mérito, pretensão processual ou objeto litigioso)”.17
A conclusão parcial a que
chegamos, portanto, é que na ação dúplice não existe
qualquer necessidade
do réu realizar expressamente pedido em face do autor, já
que pela própria
natureza do direito material debatido, a improcedência do pedido
levará o réu à
obtenção do bem da vida discutido. Com esse entendimento,
pensamos não ser a
contestação das ações dúplices formada por duas “partes”
distintas, em que de
forma separada o réu se defende (contestação genuína) e em
outro momento ataca
(pedido com caráter reconvencional). Nas ações dúplices, a
defesa propriamente
dita é que, se acolhida, entregará automaticamente o bem da
vida ao réu, sem
necessidade de pedido expresso e sem preocupação com
afronta ao princípio
da inércia da jurisdição. Conclui-se que na “ação naturalmente
dúplice, tal pedido,
mais do que desnecessário, seria incabível”.18
Dessa forma, nos
parece absolutamente incorreto creditar-se às ações de rito
sumário – como também
em outras onde é possível e necessário (se o réu
pretender obter o bem
da vida) o pedido de caráter reconvencional na própria
contestação - uma
natureza dúplice, já que “nenhuma regra do processo, sequer a
do art. 278, § 1º, é
capaz de tornar simples ou dupla a ação material”.19 Ocorre,
entretanto, que parte
da doutrina acaba por atribuir a natureza dr ação dúplice a
determinadas ações
única e exclusivamente em razão da possibilidade do réu
formular pedido
mediato contra o autor na própria contestação. Existe, em nosso
17 Cfr. Procedimento sumário, São
Paulo, Malheiros, 1996, p. 93. Dá como exemplo a ação
declaratória de
inexistência de união estável, entendendo que todas as ações declaratórias são
dúplices, incluindo
também as ações possessórias, com o que não concordamos.
18 Cfr. ADROALDO
FURTADO FABRÍCIO, Comentários ao Código de
Processo Civil, op. cit., p.
416.
19 Cfr. ARAKEN
DE ASSIS, Procedimento sumário, op. cit., p.
93.
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entendimento, um
desvirtuamento da própria natureza da ação dúplice. Tomemos
como exemplo as ações
possessórias.
O art. 922 assim
prescreve: “É lícito ao réu, na contestação, alegando que foi o
ofendido em sua posse,
demandar a proteção possessória e a indenização pelos
prejuízos resultantes
da turbação ou do esbulho cometido pelo autor”. Para alguns
doutrinadores, como
afirmado acima, tal característica é suficiente para atribuir
aos interditos
possessórios a natureza de ação dúplice.20 Para
tais autores, a
possibilidade aberta
ao réu de se tornar também autor sem necessidade de ação
autônoma seria o
suficiente para tornar a ação dúplice; ou seja, bastaria a
desnecessidade de
reconvenção para o réu formular pedido em face do autor para
que a ação se tornasse
de natureza dúplice. Não concordamos com tal ponto de
vista, já que em nosso
entendimento nas ações dúplices a posição de ataque do
réu não advém de
permissão processual para tanto, e sim da própria natureza do
direito material
discutido.
Dessa forma, ainda que
rotineiramente se atribua aos interditos possessórios a
natureza dúplice, não
nos parece que a natureza jurídica da relação de direito
material possessória
leve inexoravelmente a tal conclusão. A previsão do art. 922
do CPC, bem como do
art. 278, § 1º, ao permitir que o réu faça pedido em face do
autor na própria
contestação, não está criando ações dúplices – e nem poderia
uma regra processual
faze-lo – e sim criando especialidades procedimentais para
a elaboração de pedido
de caráter reconvencional. Entender essa opção do
legislador como uma
tentativa de criação de ações dúplices é distorcer a própria
20 Nesse
sentido as lições de ANTONIO CARLOS MARCATO, Procedimentos especiais, 8ª ed.,
São Paulo, Malheiros,
p. 118, JOEL DIAS FIGUEIRA JR. Liminares nas ações possessórias, 2ª
ed., São Paulo, RT,
1999, p. 310 e KAZUO WATANABE, “Ação dúplice”, in Revista de Processo
n. 31, pp.138-143,
inclusive trazendo informações que assim já era desde os estudos dos
romanistas. ARAKEN DE
ASSIS, Procedimento sumário, op. cit., p.
93, entra em contradição ao
afirmar que a
possessória é dúplice, já “que o réu poderá demandar na contestação “a proteção
possessória”.
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natureza jurídica da
relação de direito material debatida no processo, o que a toda
evidência, é
manifestamente inviável.
Nesse sentido já havia
se manifestado Ovídio A. Baptista da Silva, ao ressaltar ser
“importante observar
que a ação possessória não é, como a verdadeira ação
dúplice, demanda que
dispense o pedido de proteção possessória e o
subseqüente pedido
indenizatório, quando o demandado pretenda obtê-los.”21
Aponta corretamente
para a faculdade do réu de elaborar tal pedido, sem o que o
juiz não poderá
concede-lo, sob pena de afronta ao princípio da inércia da
jurisdição.
A mesma percepção teve
Adroaldo Furtado Fabrício, quando afirma de maneira
absolutamente certa
que de “reconvenção se trata, como quer que seja, com
todas as notas
características desta, exceto as formais. Em vez de oferecida em
peça separada, com
distribuição, registro, pagamentos de taxas e emolumentos
etc., a contra-ação é
manifestada no corpo mesmo da contestação, sem
formalidades outras”.
E conclui de forma bastante clara e correta: “Importante é
observar que – ao
reverso do que ocorre nas verdadeiras ações dúplices – a lei
não dispensa o pedido,
liberando-o, si, e somente, de forma especial e de
tramitação igualmente
específica.”22
Os interditos
possessórios (bem como os processos que seguem o rito sumário e
sumaríssimo)
encontram-se em posição bastante diversa daquelas ações dúplices
genuínas, como a ação
de prestação de contas e de divisão ou demarcação.
Nesses casos, é a
própria sentença de improcedência que entrega ao réu o bem
da vida, sem que em
sua defesa ele tenha que expressamente ter requerido tal
prestação
jurisdicional. Assim não ocorre como nas ações cujo procedimento
21 Cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, vol.
13, São Paulo, RT, 2000, p. 215. Afirma
que a mesma técnica
foi utilizada no procedimento sumário e na Lei dos Juizados Especiais (Lei
9.099/95).
22 Cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p.
416.
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permite pedido de
caráter reconvencional na própria contestação, onde o juiz em
sua sentença deve
julgar improcedente o pedido do autor e procedente o pedido
do réu, sem o que não
se pode falar em entrega da prestação jurisdicional23. Nas
verdadeiras ações
dúplices, o julgamento é tão somente de improcedência, já que
pedido existe
exclusivamente por parte do autor, mas em razão da natureza
jurídica da relação de
direito material, tal improcedência é suficiente para o
acolhimento de um
implícito pedido mediato do réu.
5 – Considerações conclusivas
Em conclusão, nos
parece que a atribuição de natureza de ação dúplice deve
levar em conta tão
somente a natureza da relação jurídica de direito material,
nunca podendo ser
fixada por normas processuais. Como visto, há um aspecto
que facilita a
diferenciação da ação dúplice e de formas processuais de contraataque
do réu na própria
contestação, que é justamente a necessidade de pedido
expresso nesse sentido
pelo réu. Nas ações dúplices, conforme já afirmado, não
existe qualquer
necessidade de pedido, já que a sentença de improcedência
inevitavelmente
representará ao réu a obtenção do bem da vida disputado. Já no
pedido contraposto do
sumário ou ainda no pedido reconvencional anômalo
previsto para as ações
possessórias, o pedido expresso é imprescindível em
respeito ao princípio
da inércia da jurisdição.
Se não por razões de
necessidade de apuração terminológica conforme
asseverado na parte
introdutória, o presente estudo pretende evitar que ao se
atribuir às ações
possessórias e as que seguem o rito sumário e sumaríssimo a
natureza de ações
dúplices, chegue-se a equivocada conclusão que seria possível
ao juiz acolher pedido
do réu que nem ao menos chegou a ser expressamente
23 ARAKEN
DE ASSIS, Procedimento sumário, op. cit., p.
95, observa o fenômeno no sentido
inverso, afirmando que
se houver o pedido expresso – que o autor considera imprescindível – o
juiz está obrigado a
expressamente decidi-lo na sentença, sob pena de proferir decisão infra petita.
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